O capitão da liberdade

Maciel de Aguiar

O CAPITÃO DA LIBERDADE

 

 

 

       À memória de Carlos Lamarca,
          que colocou na prática a máxima de Danton: 

       "Audácia, audácia e mais audácia!"

 


A notícia surgiu avassaladora e cruel 

frente a meus olhos bailarinos, 

junto à banca de jornal.
No rosto de uns via a revolta 

misturando-se com as lágrimas; 

outros discursavam ufanismos, 

nada queriam saber;
outros indagavam sobre o acontecido… 

Era a vitória da repressão sobre a aventura, 

do terrorismo oficial sobre a Liberdade, 

da prepotência sobre a cabeça dos vencidos, 

da violência brutal sobre o direito à vida, 

da delação sobre a fidelidade,
da tirania sobre a esperança…

A notícia seca e dolorida 

desceu por minha garganta, 

vinda do povoado de Pintada, 

perdido no sertão da Bahia, 

à satisfação do regime, 

à alegria da repressão,
à institucionalização da morte, 

espalhada em cada canto, 

que deixa um rasto de sangue 

pelos chãos da Terra Brasilis… 

A notícia fez-me estático, 

sem poder arredar os olhos 

da manchete assassina,
admitir a tragédia
de quem buscava uma luz…
Ainda estava viva a admiração
por aquele que procurava uma vitória 

diante de um exército de cães, 

o meu reconhecimento ao desafiador 

de mais de vinte mil soldados, 

a solidariedade a quem acreditava 

na luta como única forma 

de derrubar o regime
que avilta a nacionalidade, 

que aniquila o direito à vida. 

Na foto,
o Capitão Lamarca e Zequinha 

posavam para a eternidade, 

com as roupas mutiladas, 

os corpos arrastados 

pelas veredas da caatinga. 

Diante de meus olhos úmidos, 

dois brasileiros ceifados, 

cuspidos pelos delatores, 

humilhados frente os olhos 

do povo simples de Brotas 

de Macaúbas do sertão. 

A meu lado um certo lacaio 

limpou os óculos com a gravata, 

aproximou-se da tragédia,
correu os olhos vorazes
e sorriu com sarcasmo, 

virando-se em minha direção: 

Morreu dormindo…
E antes que completasse

o sentido da profanação 

agarrei-o pela garganta, 

coloquei meus olhos em brasa 

dentro de seus olhos assustados, 

engrossei as veias do pescoço 

e gritei com todas as forças 

que me navegavam a carne:
Morreu sonhando com a Liberdade!

– Morreu sonhando com a Liberdade!

– Morreu sonhando com a Liberdade!

 

 


                                Rio de Janeiro, 29.11.71

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