O amor resiste

Maciel de Aguiar

O AMOR RESISTE 

 

 

O amor resiste ao tempo
nos corações atávicos

e nos que nunca demonstraram

sinais de compaixão.

Há amor desde o afago

das mãos negras que acariciavam

o menino de olhos azuis,
que adormecia nos braços
da mãe-de-leite
e escrava
dos senhores de engenho;
que ainda resiste aos séculos 

de exploração
e castigo;
há amor.
Há amor nas páginas
dos cadernos dos adolescentes 

que escrevem os sentimentos 

ao próximo tão próximo,
à Pátria tão distante,
à vida tão dura,
à Liberdade nunca possível, 

como uma lição de casa
que será repetida
diante da impossibilidade
da concretização do sonho 

acalentado nos anos;
há amor.
Há amor nos olhos
dos condenados sem culpa, 

sem julgamento,
sem Justiça,
sem direito de defesa,
pelos crimes que cometeram 

e que diante dos assassinos 

derramam lágrimas,
lágrimas,
lágrimas,
lágrimas

que escorrem pelas faces 

e resignados esperam
pelo ato final da vida
por um fio, 

frente a frente,
sem pedido de indulgência; 

há amor.
Há amor nas cartas
das mães que escrevem,
escrevem, 

escrevem,
escrevem
aos filhos desaparecidos,
uns que se escondem no breu 

e nunca podem respondê-las, 

outros que são exilados 

para terras distantes,
e não há carteiros,
nem pombos
que consigam trazer notícias 

de que ao menos estão vivos, 

além dos que emprestam 

o nome à Lista 

dos Procurados;

há amor.
Há amor nas mãos
dos meninos que deixam 

as respostas escritas 

nos muros, 

nos postes, 

nas paredes, 

nos tapumes, 

em letras trêmulas com medo 

de serem descobertos
com os braços bailando
a desafiar o regime,
que no dia seguinte espalha 

um batalhão de lacaios 

munido de baldes e vassouras, 

apagando cada palavra
escrita com o coração;
há amor. 

Há amor nos gestos 

de desespero dos que atentam
contra a própria vida 

com um tiro,
uma dose de cianeto,
uma corda ao pescoço,
jogando-se frente os carros,
atirando-se do edifício,
deixando antes do gesto
uma carta, 

um bilhete,
um testamento de despedida
aos que virão;
há amor.
Há amor na inquietação
dos poetas amargurados,
que escrevem nas trevas
e nunca são citados
pelas mocinhas debutantes,
os que nunca são lidos
pelos contemporâneos,
os que nunca podem ver
seus livros nas livrarias,
os que são perseguidos
pelos fantasmas em vida,
mortos são esquecidos
pelos que nunca sentiram na carne 

o horror à flor da pele;
há amor.
O amor existe em tudo,
até mesmo nos que nunca escrevem 

versos à mulher amada.

 

 

                    Rio de Janeiro, 15.9.74

 

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