NOVA PRESENÇA NO MUNDO
Para meu povo advogo
nova presença no mundo.
Os canhões têm sua voz,
os capitais capitães
e a morte generais.
O que temos nós?
Vamos à ONU de casimira inglesa
e nos sentamos à mesa
com os maiorais.
Mas acabado o discurso,
comemos na cozinha.
Nossos ministros se confundem
em vários idiomas,
discutem Robbe-Grillet
e reencontram companheiros da Sorbonne
ao som de cubos de gelo.
Às vezes têm saudades
dos serões da província.
Mas, por mais que alisem o cabelo
e policiem o sotaque,
não podem esconder a condição de mulatos,
representantes de uma república
movida a carvão.
Ah, como eu os compreendo,
eu, poeta, bacharel e branco,
educado nesta Europa meridional,
nesta São Paulo casa-grande
tão à margem da senzala.
Compreendo, mas não perdôo
como também não me perdôo
pelos meus refinamentos
e por esta nostalgia,
este banzo ao contrário
por uma terra estrangeira
de onde nos vem a cultura
mas tão distante do sangue.
É hora de acordar o bugre
e mandá-lo, assim, de tanga,
na sua crua verdade,
embaixador da miséria
e desta falta de fibra
que nos avilta e consome.
Para meu povo advogo
um pouco menos de fome,
um pouco menos de ajuda,
um pouco menos de leite
que de tão fotografado
me faz azedar o estômago;
um pouco menos de armas,
obsoletas, manetas,
que se tornam pó de traque
na cara de quem atira
e custam os olhos da cara.
Para meu povo advogo
uma peste de cartilhas,
uma praga de ferramentas
e um pouco menos de pastilhas,
xaropes e outros macetes
da farmacopéia Rockefeller.
Para meu povo advogo
a voz e o voto;
uma voz sem impostura,
empostada e não imposta.
E mais: uma lei exata
que se lance como um prumo
e que ao exame do olho
não me ponha zarolho
de tão dúbia e sinuosa.
E um salário não tão mínimo,
que nele caiba completa
uma família operária
sem vales e sem susto.
Para meu povo advogo
uma nova mentalidade,
que faça da tribo nação
e da nação potestade.
Mas de gente companheira,
sem esnobismo, vaidade,
sem estátuas de liberdade
e slogans e advertisings.
Para meu povo advogo
não a iluminação divina
mas jovens iluminados
que saibam tomar o pulso
deste gigante enfermiço
e ministrar-lhe o laxante
para curá-lo de vez
das discórdias intestinas.