NOTÍCIA DE JORNAL
Para Alexandre Vannucchi Leme.
Na banca de jornal defronte,
os olhos correm o mundo
procurando em cada manchete
a notícia anunciada,
quando o sol de raios fúlgidos
desvirgina mais um dia,
desses que nunca terminam.
A verdade da outra versão
esconde nas entrelinhas
a história do vencedor,
que transforma a banca de jornal
numa concentração de desencontros.
Aqui, um novo milionário
da loteria dos sonhos;
ali, um novo aumento
de preços aos famintos
que pensam que vivem
e sonham;
adiante, uma moça mostra
os dotes de beleza;
abaixo, mais um Milagre
contado pelo ministro
do general colérico.
Verbos são conjugados
diante das pessoas que passam
e indicam o tempo de mentir:
— Fleury, com a verdade cristalina,
acabou com Marighella,
rei dos facínoras...
Os órgãos de repressão
descrevem as vitórias
nas primeiras páginas exibidas.
Uns passam despercebidos
do tempo em que morremos;
outros dão gargalhadas;
outros seguram o grito
mudo na garganta;
outros escondem a indignação
e o pavor nos olhos;
outros lêem os nomes
na Lista dos Procurados.
A banca de jornal convida
à tragédia de cada dia:
mães derramam lágrimas
por notícias de seus filhos;
amantes procuram os amados
que nunca mais foram vistos;
meninos indagam pelo destino
escondido numa esquina;
poetas buscam inspiração
para as canções proscritas.
— Terrorista é morto por caminhão
ao cruzar a Rua Bresser
com a Av. Celso Garcia...,
enquanto nas celas da OBAN
os meninos escrevem
nas paredes fétidas
a versão dos vencidos:
— É mentira!
— É mentira!
— É mentira!
Meus olhos correm pela banca
como quem deseja encontrar
o fim do corredor,
diante das notícias dos corpos
ensangüentados dos meninos
em escoriações pelo breu,
sobre os rios de vísceras
que escorrem ao fundo
ou das valas abertas
onde os mortos são jogados
sem compaixão,
sem piedade
e direito à cruz.
Imploro aos deuses da imprensa
por notícias dos esvaídos,
dos que sofrem sevícias,
dos que foram jogados ao mar,
dos que atentaram contra a vida,
dos que encontraram a desgraça.
Mas os deuses só ouvem
um deus maior,
de quatro estrelas
luzidias cravejadas,
que mandou baixar uma Ordem
onde ninguém pode
fazer maior milagre
que o Milagre Brasileiro.
— Dai-me um ano
e vos darei uma década...
Os subalternos espalham
pelos ares da Paulicéia
as notícias que chegam
aos olhos extasiados
dos que se olham nas bancas.
Guardo meus olhos úmidos
no escuro da pálpebra
e saio tateando o caminho
à cidade de São Sebastião.
O povo em festa sempre acredita
que uma mentira exibida
na banca de jornal em manchete
é a mais pura expressão da verdade.
São Paulo, 28.6.73