No pau-de-arara
é proibido gozar
mesmo quando enrabado
por muitos
e o espasmo
sacuda o curto-circuito
do corpo
fudido em verde-amarelo
sob o som
das botas, das patas
dos saltos altos
da Pátria em marcha
das famílias caindo de quatro
ao som
de Dom e Ravel
de Deus
salve a América!
Eu te amo meu Brasil
eu
só ouço o vômito
e as aves
que aqui gorjeiam
etc.
Comentário do pesquisador
O poema pertence ao livro "Longa vida", de 1982, e traz muitos elementos referentes aos Anos de Chumbo. Desde o começo, com a menção ao "pau-de-arara" (instrumento de tortura muito usado na época), até o final, com a paródia da canção ufanista “Eu te amo, meu Brasil” e da “Canção do exílio”, o texto entremeia questões como a tortura e a postura de parte da população. Imagens como a das botas (calçado que alude aos militares) e das famílias revelam ainda o traço civil-militar do golpe e dos Anos de Chumbo – quando Deus (citado), a pátria e a família eram alinhados discursivamente de modo que horror estivesse acima da liberdade.