neste sítio
um primata acumulou há milhares de anos
um monte de ossos e paradoxos
por baixo daquela ponte
passaram exércitos sem rastro
hordas de flagelados
a caminho das terras santas ou do sonho bárbaro
um pouco mais adiante
o campo de trigo fixa a memória dos cabelos
ao sabor do vento
no pântano todos os sentidos sucumbem
justo ali onde gerações de camponeses sucumbiram
enquanto o trigo crescia
ainda no campo em que o olho imagina uma casa
acesa apesar da cortina espessa
e através de persianas e pálpebras pesadas
registra um tempo fosco: cena obscura na sala
movimento pelos corredores
no porão uma possível criança tentando mover
(criança impossível)
um gato elétrico sem pilha
Comentário do pesquisador
Embora o poema não faça alusão explícita à ditadura militar, optou-se por incluí-lo no repositório por considerar que o texto estabelece uma analogia entre o "sítio" em que "um primata acumulou há milhares de anos / um monte de ossos e paradoxos" e o regime militar brasileiro. Expressões do poema, tais como "exércitos sem rastro", "hordas de flagelados", "tempo fosco", "cena obscura na sala" e "porão" coadunam para a percepção de que se trata de um poema que reflete o "tempo fosco" e a dureza do período militar.