Neste lençol a sombra do seu corpo era uma gandra
em que a minha solidão caçava
a sua solidão remigiamente solta
entre os ecos da morte que por nós passara
com seus olhos de cal e sua presença oca.
Neste lençol é que as tardes encontraram os seus mantéis
para se transformarem em edáficas posturas
de divindades corporais oficiando a noite.
Neste lençol as gorgôneas lanças se quebravam
contra o escudo do seu corpo claro
como os púcaros de prata ou a tristeza
em que aprendi beber o que é da lua.
Neste lençol o azul não era importante e nem o sol
era buscado a brilhar entre as paredes do tempo:
o que nos tocava reunia o início e o fim
do escuro ser que se escondia
dentro da própria treva donde viera
a luz da noite a fabricar o dia.
Neste lençol as noites feitas de mulher e homem
neste mar de lençóis em que navegam aos pares
os homens e as mulheres desta urbe.
Neste lençol todos os prédios acesos da cidade
misturam-se com a luz de nossa lâmpada
e você e eu, querida, somos porosamente o tempo
em que eles passam como se fossem o próprio arado
do que em nós existe sendo o que eles são.
Neste lençol, em cada coito e em cada orgasmo
a fome feroz de uma cidade nova.