Nau Submersa
Afundado no salitre, eras
bicho acossado que parou de caminhar
e o esqueleto mudado em pedra, ilha.
Árvore áspera, fora d'água a crista,
as férreas ramas (como leque negro)
engolindo peixes pequenos, caranguejos,
caracóis, medusas, moluscos litorâneos,
constroem em teu casco, em ondas sucessivas,
o crime de tornar latifúndio do medo
o que era antes quilha tutelar.
No grosso húmus de ferrugem te fizeste
raiz/raízes neste mar.
Arraial do Cabo, 27 dezembro 1972
Comentário do pesquisador
No livro "Altaonda", o poema "Nau Submersa" traz, ainda que sutilmente, a indicação "o crime de tornar latifúndio do medo". Nesse momento histórico em que o medo, de fato, alarga suas fronteiras sobre os poetas, sobre os brasileiros, esse latifúndio do medo parece alinhado aos problemas ligados aos Anos de Chumbo.