NÃO SE AFASTE DE MIM
Não se afaste de mim…
Oh!… Esperança emudecida
que, ínfima, embora assim
vagueia pelos labirintos,
procurando pela partícula
da felicidade perdida.
Não se afaste de mim…
Oh!… Sopro que alojou-se
no peito ardente em chamas
como um andarilho sem fim,
derramando sobre os corações
lava de um vulcão
adormecido que se esconde,
como um rio submerso
a navegar as entranhas.
Não se afaste de mim…
Oh!… Luz de estrela cadente
que guarda a claridade por fim
para iluminar o caminho
dos navegantes frente o
espelho que mostra o rumo
aos que tiveram sua vida
tragada pelo tormento,
enquanto os candelabros faíscam
no firmamento os luzeiros
de uma infinita Via-Láctea.
Não se afaste de mim…
Oh!… Inspiração que faz os poetas
cantarem a dor dos que rasgam
a alma procurando abrigo,
lâmina vazando a carne,
em gritos de padecimento
pelos corredores da morte;
velhos que vomitam o câncer,
meninos que se alimentam
nas latas de lixo das ruas,
enquanto escrevo poemas
que mancham o nosso tempo
e a efêmera reputação literária.
Não se afaste de mim…
Oh!… Obstinação de multidão
em passeata carregando
os cadáveres putrefatos
com uma esperança nas mãos,
um desejo na carne,
e a disposição para enfrentar
os agentes federais.
Não se afaste de mim…
Oh!… Bandeira desfraldada
sobre o corpo dos meninos
abraçados às causas,
vencidos pelos sonhos
e levados pelo desejo
de justiça com as próprias mãos…
Não se afaste de mim…
Oh!… Possibilidade do amanhã,
que com a desesperada angústia
insiste na inquietação
dos corpos em pulsação
da terra arada que germina
sob todos os desgraçados.
Não se afaste de mim…
Oh!… Paixão dos rebelados
que oferece os anos
às causas perdidas de hoje
frente os opressores,
buscando as conquistas,
dos que sonham mudar o mundo.
Não se afaste de mim…
Oh!… Melodia interminável,
que invade os ouvidos
como uma anunciação dos céus,
conduzindo os mortos
para as valas sem cruz,
sem nome,
sem data,
sem Atestado de Óbito,
como barcos desgovernados
num oceano de tempestades.
quando os navegantes não mais esperam
encontrar um porto seguro
ou uma manhã de calmaria.
Não se afaste de mim…
Oh!… Sublime inspiração
para chorar as dores,
deixando no papel
como um sudário em louvor
os versos para o amanhã
diante da escuridão.
Não se afaste de mim…
Oh!… Verve dos poetas mortos,
que me faz cantar a tragédia
e a esperança dos vencidos,
e que sozinho neste quarto
de pensão fétida do Catete
escondo-me da hora finda.
Não se afaste de mim…
Oh!… Fogo consumidor
que aquece os venturosos.
Não se afaste de mim…
Oh!… Inspiração da luz,
que me faz escrever nas trevas.
Não se afaste de mim…
Oh!… Eterna busca do homem
que se chama Liberdade.
Não se afaste de mim…
Oh!… Conjuração da vida,
é tudo, embora assim.
Não se afaste de mim…
Rio de Janeiro, 3.9.71