Não se afaste de mim

Maciel de Aguiar

NÃO SE AFASTE DE MIM

 

Não se afaste de mim…

Oh!… Esperança emudecida 

que, ínfima, embora assim 

vagueia pelos labirintos, 

procurando pela partícula 

da felicidade perdida. 

Não se afaste de mim… 

Oh!… Sopro que alojou-se 

no peito ardente em chamas 

como um andarilho sem fim, 

derramando sobre os corações 

lava de um vulcão
adormecido que se esconde, 

como um rio submerso 

a navegar as entranhas. 

Não se afaste de mim… 

Oh!… Luz de estrela cadente 

que guarda a claridade por fim 

para iluminar o caminho 

dos navegantes frente o 

espelho que mostra o rumo
aos que tiveram sua vida 

tragada pelo tormento,
enquanto os candelabros faíscam
no firmamento os luzeiros 

de uma infinita Via-Láctea.
Não se afaste de mim…
Oh!… Inspiração que faz os poetas 

cantarem a dor dos que rasgam 

a alma procurando abrigo, 

lâmina vazando a carne, 

em gritos de padecimento 

pelos corredores da morte; 

velhos que vomitam o câncer, 

meninos que se alimentam 

nas latas de lixo das ruas, 

enquanto escrevo poemas 

que mancham o nosso tempo 

e a efêmera reputação literária. 

Não se afaste de mim…

Oh!… Obstinação de multidão 

em passeata carregando 

os cadáveres putrefatos
com uma esperança nas mãos, 

um desejo na carne,
e a disposição para enfrentar 

os agentes federais.
Não se afaste de mim… 

Oh!… Bandeira desfraldada 

sobre o corpo dos meninos 

abraçados às causas, 

vencidos pelos sonhos
e levados pelo desejo
de justiça com as próprias mãos…

Não se afaste de mim…
Oh!… Possibilidade do amanhã, 

que com a desesperada angústia 

insiste na inquietação 

dos corpos em pulsação 

da terra arada que germina 

sob todos os desgraçados. 

Não se afaste de mim… 

Oh!… Paixão dos rebelados 

que oferece os anos
às causas perdidas de hoje 

frente os opressores, 

buscando as conquistas,
dos que sonham mudar o mundo.
Não se afaste de mim…
Oh!… Melodia interminável,
que invade os ouvidos
como uma anunciação dos céus,
conduzindo os mortos
para as valas sem cruz,
sem nome,
sem data,
sem Atestado de Óbito,
como barcos desgovernados
num oceano de tempestades.
quando os navegantes não mais esperam 

encontrar um porto seguro 

ou uma manhã de calmaria. 

Não se afaste de mim… 

Oh!… Sublime inspiração 

para chorar as dores, 

deixando no papel
como um sudário em louvor 

os versos para o amanhã 

diante da escuridão.
Não se afaste de mim…
Oh!… Verve dos poetas mortos, 

que me faz cantar a tragédia 

e a esperança dos vencidos, 

e que sozinho neste quarto 

de pensão fétida do Catete 

escondo-me da hora finda. 

Não se afaste de mim…

Oh!… Fogo consumidor 

que aquece os venturosos. 

Não se afaste de mim… 

Oh!… Inspiração da luz,
que me faz escrever nas trevas. 

Não se afaste de mim…   

Oh!… Eterna busca do homem 

que se chama Liberdade. 

Não se afaste de mim… 

Oh!… Conjuração da vida, 

é tudo, embora assim. 

Não se afaste de mim…

 

 


                     Rio de Janeiro, 3.9.71

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