NAÇÃO DOS MORTOS
(Dezembro de 1981)
Morremos muito:
milhões de vezes,
milhões de vozes
milhões de vultos;
morremos tanto
dentro das matas,
perto dos rios,
igarapés
e sombras quentes,
cheios de insultos;
morremos velhos,
morremos moços,
antes do tempo,
antes das lendas
que controlavam
o latejar
de nossos pulsos;
morremos antes
de nosso tempo,
e do triunfo
de nossas tabas
e dos tantans
de nossos deuses,
morremos antes
de ser expulsos;
morremos mesmo
muito mais fácil
que nossos peixes
e antes que o rosto
de nossos jovens
sonhassem um leve
e simples buço;
morremos todos
e do que nós
um pouco resta
é a lembrança
na pele e nos olhos
dos que comeram
nossas mulheres,
dos que comeram
ou abateram
nossas crianças;
morremos muito,
morremos à força,
morremos a pulso;
não mais morremos,
porque restavam
poucos de nós
que merecem
outro heroísmo
outra bandeira
de sertanistas
pra nos matar;
morremos muito,
morremos demais;
e o que de nós
um pouco resta,
mesmo que seja
por gentileza
de algum Rondon
deve ser livre
aqui, em trapos,
aqui, em paz.