NA CELA
Cinco robustos detetives encontraram-se na cela com um preso.
E — por Deus! — estão certos de que o obrigarão a falar!
Caem-lhe em cima cegamente, furiosos
como lobos famintos sobre a presa.
Estão aflitos.
Não há bastante espaço para eles na cela escura.
As roupas pesadas os atrapalham.
Seus alvos colarinhos os incomodam.
Gruem, suam, praguejam,
enquanto seus cassetetes sobem e descem.
Cinco robustos detetives encontram-se na cela com um preso.
Torcem raivosamente os braços do preso para trás
até os ossos estalarem.
Batem-lhe na fronte com os cassetetes
e dão-lhe pontapés nas costelas.
Caminham sobre sua espinha dorsal,
achatam-lhe o nariz.
Cinco robustos detetives encontram-se na cela com um preso.
Por Deus! Estão certos de que o obrigarão a falar!
A lua branca e inocente surge, mas logo desaparece,
percebendo que não é necessária.
Um táxi roda pela rua com uma jovem ébria
que ri para o homem que a acompanha.
Um guarda tilinta suas chaves no corredor.
O bico de gás assobia baixinho uma canção nostálgica.
Os detentos deitam-se de costas
e sonham que estão novamente em suas casas.
E na cela cinco detetives interrogam o preso,
dizendo-lhe — por Deus! — que ele tem que falar.
Oh! aqueles cassetetes, os pesados sapatos,
os punhos de Judas impelem o prisioneiro a falar.
E seu coração esfacelado grita-lhe que ele deve ceder.
E seu corpo sangrando estremece
como a criança assustada por um rato: — Fala!
E seu cérebro arde de agonia e grita: — Fala! Fala!
E seu sangue segreda:
— Tua esposa te espera! Basta apenas falar:
E o mundo todo brada
como um milhão de vozes selvagens aos seus ouvidos:
— Oh Jesus! Fala, homem!
Mas o preso não quer falar.
É uma noite de paz na cidade.
Casais em idílio
passeiam pelas ruas quentes de verão.
Policiais postados em cada esquina
sob os altos postes de luz
balançam seus cassetetes distraidamente.
Os pastores pregam na freguesia
e o prefeito bebe limonada num jardim de verão.
Juízes leem em voz alta os poetas para esposas
após um dia cansativo no Tribunal.
Amantes sentados juntos no cinema
estremecem quando no escuro seus corpos se tocam.
Mães acalentam os filhos
enquanto os pais fumam o cachimbo familiar.
Há um milhão de lares tranquilos
que os relógios regulam com seus tique taques.
E cinco robustos detetives encontram-se na cela com um preso.
Os cassetetes sobem e descem.
Os tacões de ferro se estampam no rosto do preso.
Os detetives já têm rasgados os colarinhos.
O preso fecha os olhos por um momento
e vê milhares de estrelas que brilham no universo da dor.
Morde os lábios até sangrarem, afirmando que não falará.
Jura com a boca sangrando
que o mundo da exploração e da opressão não pode dominá-lo
que se encontram com ele na cela
nunca o obrigarão a falar!
Comentário do pesquisador
Poema localizado nos arquivos do Comitê Brasileiro pela Anistia, no material relacionado aos presos políticos, "Pasta 42 - Documentação", em "Produção do Preso". Link para acesso: http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=DocBNM&Pesq=%22Maria%20In%c3%aas%20Soares%22&id=5373003321584&pagfis=69536