MORRO DENTRO DESTE...
Morro dentro deste papel em branco
e os filhos da puta não sabem disso.
Por que morro eles não sabem. Não podem saber.
Sentada no parapeito da janela, a noite olha
o lençol amarfanhado e me fala
de caralhos pensos e lambuzados; e da luz
de estrelas que morreram há milhões de anos.
Os suicidas, no entanto, me abraçam apaziguados
e me contam o que não pode ser contado.
Não os quero, os suicidas, o que eu quero
é a vida e a coragem de vivê-la
como este vento
que vai e vem e sempre esbofeteia
os paredões em que os anúncios brilham
sobre a cidade adormecida.
Deus não sabe o que é o telefone.
E assim não ouço a palavra exata
para destruir neste exato momento
este mundo injusto e com ele todos
os filhos da puta que o transformaram em templos
em cujo interior dançam ainda
como se fossem, como se fossem
os donos de todas as músicas
e do silêncio em que se ausenta
a oração no enterro dos suicidas.
É, Deus não sabe o que é o telefone.
E por isso eu morro, como se fosse uma cidade
dentro deste papel em branco.