Meu Pequeno Oratório
Minha Nossa Senhora das Graças toda minha.
Das raízes e dos troncos.
Das florestas e das frondes.
Dos rios que correm para o mar e dos corguinhos sem destino.
Dos altares, dos montes e das grunas.
Dos pássaros sem voo, e das rolinhas bandoleiras.
Nossa Senhora das cigarras imprevidentes que morrem de cantar e das
formigas previdentes que morrem sem cantar.
Das abelhas rufionas que vão de flor em flor segredando de amor
e acasalando os polens.
Das cobras e dos tigres que também têm direito à vida.
Nossa Senhora
dos maus e dos bons.
Profundamente minha
porque de todos os anônimos bichos e gentes.
Nossa Senhora
da custódia das sementes, lançadas ao léu da vida germinando, crescendo,
florescentes ou morrendo perdidas na raleira.
Nossa Senhora das sementes...
Ajudai todas elas — boas e más a bem cumprir o seu destino de sementes,
lançando do seu pequenino coração vital
o esporo à raiz fálica que as confirmarão na terra e na sequência das gerações
através do tempo.
Nossa Senhora das raízes...
Eu sou a raiz ancestral, perdida e desfigurada no tempo obscura na terra
onde lutam, sobrevivem e desaparecem todas
no esquecimento e no abandono.
Vigia para mim
e guarda em vida longa todas as raízes novas que vivem enleadas
às minhas
já gastas e amortecidas.
Abençoai, minha Nossa Senhora, todos aqueles que se foram e que se
desfizeram na obscuridade e no esquecimento da árvore ingrata que os
alimentou.
Comentário do pesquisador
Neste poema, Cora nos mostra como as gerações anteriores são cruéis com as gerações atuais, gerações essas que lutam pela liberdade retirada pela ditadura e que são mortas e esquecidas por essa "raiz ancestral".