MENSAGEM
CONTA AO teu filho, meu filho,
daquilo que nós passamos;
que havia fitas gravadas,
retratos de corpo inteiro.
Conta que nos encolhemos
como animais espancados;
que ninguém teve coragem,
que respirávamos baixo,
olhos fugindo dos olhos,
as mãos frias e suadas.
E conta que faz dez anos,
que temos pouca esperança,
que pedimos testemunho
e não aguentamos mais.
Talvez teu filho, meu filho,
viva em mundo mais aberto,
mas é grave
que lhe contes calmamente
e nos mínimos detalhes
a história desses punhais
cravados em nossas tardes.
Porém se por tudo isso
renuncias a ter filhos
como (alguns) renunciamos,
deixa inscritos como eu deixo
sinais em troncos de árvores,
letras em papéis esquivos
para que não escureça
esta lâmpada mesquinha,
relâmpago, fogo fátuo,
pura lembrança dos dias
em que livres fomos filhos
de pais muito mais felizes.
Conta a quem possas, meu filho;
o que em ti forem palavras
nos outros serão raízes.