Medo

Maciel de Aguiar

MEDO

 

A mãe tem medo

de perder a mão do filho

que anda sobre o meio-fio

e que tem medo da morte

acidental na calçada.

O estudante tem medo

de sair da escola

que não seja em passeata,

que tem medo de ser reprimida

pelo Regimento de Cavalaria.

O poeta tem medo

de entrar em livraria,

que mantém as portas fechadas

com medo da Polícia Federal,

que tem medo da poesia.

O afiador de facas tem medo

do corte que dilacera

a carne trêmula no peito

do condenado que tem medo

da injeção que possa

adquirir o câncer.

A prostituta tem medo

de mostrar o regaço

para a lua de prata,

que se esconde nas nuvens

com medo dos céus de chumbo.

A vidraça tem medo

da pedra na mão do menino,

que tem medo do cassetete

em ameaça do soldado,

que tem medo do coquetel

fumegante pelos ares.

O incendiário tem medo

do fogo nas narinas,

que lhe queima as entranhas,

que têm medo do fogo-fátuo

que exala dos cemitérios.

O condenado tem medo

das trevas que lhe cobrem

os olhos traspassados

pela lâmina da espada

do carrasco que tem medo

da primavera nos jardins.

O silêncio tem medo

da alvorada que se esconde

sob as asas dos pássaros,

que têm medo das grades

que emolduram o horizonte.

O afogado tem medo

do mar que lhe traga a vida,

que tem medo do rochedo

onde se bate incansável,

que tem medo do suicida

que se esconde em todos.

A neve tem medo

do sol que desvirgina

as manhãs despudoradas, 

que têm medo das mãos

do ofício da tirania,

que tem medo da claridade.

O vampiro tem medo

da cruz com o Cristo traspassado

pendurado na parede

da sala onde o cadáver

tem medo dos castiçais.

A moça tem medo

de perder o rumo da vida

escondida entre os seios,

que têm medo de lhe deixar

caminhar na direção do sonho.

O general tem medo

de perder as estrelas

empoleiradas no peito,

que tem medo dos miseráveis

que rondam os calcanhares.

O tempo de hoje tem medo

do passado escondido,

que tem medo do futuro,

que tem medo da morte

sem direito à sepultura.

A porta aberta tem medo

do corredor macabro,

que tem medo da escada

que arrasta as correntes

com medo do assombro.

A noite tem medo

da manchete do jornal,

que tem medo da censura

que corta as notícias

com medo das consciências.

A escuridão tem medo

da luz do fim do túnel,

que tem medo dos olhos

diante do nosso tempo

que procura a Liberdade

como uma esperança dos homens...

Escrevo apenas um verso

no meu caderno de poemas

para quando for encontrado

pelos cassadores de palavras:

Tenho medo do medo...

 

Rio de Janeiro, 23.10.71

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Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

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Rafael Fava Belúzio

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