MEDO
A mãe tem medo
de perder a mão do filho
que anda sobre o meio-fio
e que tem medo da morte
acidental na calçada.
O estudante tem medo
de sair da escola
que não seja em passeata,
que tem medo de ser reprimida
pelo Regimento de Cavalaria.
O poeta tem medo
de entrar em livraria,
que mantém as portas fechadas
com medo da Polícia Federal,
que tem medo da poesia.
O afiador de facas tem medo
do corte que dilacera
a carne trêmula no peito
do condenado que tem medo
da injeção que possa
adquirir o câncer.
A prostituta tem medo
de mostrar o regaço
para a lua de prata,
que se esconde nas nuvens
com medo dos céus de chumbo.
A vidraça tem medo
da pedra na mão do menino,
que tem medo do cassetete
em ameaça do soldado,
que tem medo do coquetel
fumegante pelos ares.
O incendiário tem medo
do fogo nas narinas,
que lhe queima as entranhas,
que têm medo do fogo-fátuo
que exala dos cemitérios.
O condenado tem medo
das trevas que lhe cobrem
os olhos traspassados
pela lâmina da espada
do carrasco que tem medo
da primavera nos jardins.
O silêncio tem medo
da alvorada que se esconde
sob as asas dos pássaros,
que têm medo das grades
que emolduram o horizonte.
O afogado tem medo
do mar que lhe traga a vida,
que tem medo do rochedo
onde se bate incansável,
que tem medo do suicida
que se esconde em todos.
A neve tem medo
do sol que desvirgina
as manhãs despudoradas,
que têm medo das mãos
do ofício da tirania,
que tem medo da claridade.
O vampiro tem medo
da cruz com o Cristo traspassado
pendurado na parede
da sala onde o cadáver
tem medo dos castiçais.
A moça tem medo
de perder o rumo da vida
escondida entre os seios,
que têm medo de lhe deixar
caminhar na direção do sonho.
O general tem medo
de perder as estrelas
empoleiradas no peito,
que tem medo dos miseráveis
que rondam os calcanhares.
O tempo de hoje tem medo
do passado escondido,
que tem medo do futuro,
que tem medo da morte
sem direito à sepultura.
A porta aberta tem medo
do corredor macabro,
que tem medo da escada
que arrasta as correntes
com medo do assombro.
A noite tem medo
da manchete do jornal,
que tem medo da censura
que corta as notícias
com medo das consciências.
A escuridão tem medo
da luz do fim do túnel,
que tem medo dos olhos
diante do nosso tempo
que procura a Liberdade
como uma esperança dos homens...
Escrevo apenas um verso
no meu caderno de poemas
para quando for encontrado
pelos cassadores de palavras:
— Tenho medo do medo...
Rio de Janeiro, 23.10.71