manchete
vida
em frente e verso
datada
fichada
viciada em pau-de-arara
de repente brota
flora na cara
feito sinal
arreganha os dentes
incomoda
incha
dói
fere
deixa de querer ser melhor
mas chama atenção
grita
tira a roupa
com a sala cheia
e abre caminho
tranquilamente
entre os atônitos transeuntes
Comentário do pesquisador
Na apresentação do livro "Cordiana", Guiomar Sant'anna Murta afirma: "Se não posso ser livre, quero ser poeta - parece ser esta afirmativa que se escoa na procura, nos questionamentos e na perplexidade do poeta Kiko Ferreira". Quanto ao poema "Manchete" em si, talvez seja aquele em que o poeta mais se posiciona em relação aos Anos de Chumbo, tendo o eu lírico, para chamar a atenção aqui a um trecho emblemático, uma vida datada (marcada pelo seu tempo), fichada (tal como ocorre com muitos perseguidos pela Ditadura Militar) e "viciada em pau-de-arara" (numa explícita referência a um instrumento de tortura utilizado pelos torturadores militares, o pau-de-arara).