LUIS
Talvez haja silêncio em Carabanchel
enquanto escreves.
Talvez as gotas de chuva derramadas
sobre tua vigília devolvam os olhos tristes
de Sílvia, roubados pelos chacais.
As mãos pequeninas de tua mulher
amparam o ventre cálido,
agitado, fecundo
como a doce terra de Espanha.
Agasalham em silêncio tua semente,
a profunda promessa de teus olhos,
os minúsculos pés que marcharão
sobre o caminho interrompido.
Hoje, o ventre sagrado de tua companheira
é o próprio ventre da pátria espanhola
gerando as sementes de uma primavera incendiada.
Vai em paz, companheiro,
tua mãe será consolada
pela canção dos povos.
Teu amor sobreviverá, Luis.
Gravado com teu sangue
no muro dos fuzilados,
teu amor venceu a morte.
Antes de dizer adeus,
tenho as mãos algemadas, irmão,
lembra-te,
também aqui se morre nas prisões,
mas, sobretudo, quero que saibas,
nascem crianças nos calabouços
como promessas de um tempo de fogo!
(outubro/75)
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema "Luis" integra a seção “Livro dos fuzilados”, parte do volume “Poemas do povo da noite”. Na página de abertura da seção, consta uma dedicatória: “Aos companheiros Ángel Otaegui, José Humberto Baena Alonso, José Luis Sanches Bravo, Juan Paredes Manot, Ramon Garcia Sanz, assassinados em Espanha”. Na segunda edição desse livro (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009), há um texto introdutório intitulado “Explicação necessária”. Nessa introdução, Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009, que reproduz “Luis” na página 101, informa que esse poema foi escrito em outubro de 1975.