LIÇÃO DO SILÊNCIO
Os meninos mudos caminham
em fila para a escola.
Vão aprender a lição
da boca dos vencedores.
São histórias oficiais,
castelos de papelão
construídos no lugar do saber…
Os meninos famintos
vão à escola sob Ordens,
cantar o Hino Nacional
como os que guardam o silêncio
dentro do peito em dor,
sem encontrar explicação
para a desventura que passeia
sobre os sonhos de outros meninos…
Do lado de fora, os soldados
do regimento de cavalaria
aguardam nos dorsos
andaluzes que brilham
os cascos de verniz
como quem espera a hora
de exercitar o aprendizado
da lição vil da caserna:
— Arrancar todos os miolos
da cabeça dos que pensam
ou se rebelam nas filas…
Uns meninos trazem no bolso
bolinhas de gude
e estilingue
para derrubar os cavalos
na avenida Rio Branco.
O barão não poderia imaginar
que emprestaria o nome
para cenários de batalhas inusitadas,
regimentos de perna para cima
contra estudantes levando porrada…
O barão deve se divertir
no mausoléu da História…
São cavalos de pernas-de-pau,
são soldados-de-chumbo,
são cavalos oficiais,
são generais vociferando Ordens,
cavalos,
soldados,
cavalos,
fardados,
em cenas hilariantes…
Dos que emprestaram os nomes
para ruas,
praças,
pontes
e avenidas,
só me lembrarei das batalhas
das bolinhas de gude
contra os cascos dos militares…
Mas os meninos de olhos vendados
ainda caminham em fila
para a sala de aula.
Vão conhecer os heróis,
do exército que matou,
mulheres,
crianças
e velhos,
das conquistas contra o povo Guarani,
das bombas jogadas,
do terror como ameaça,
da inutilidade mantida
pelos que não produzem,
não trabalham,
não servem,
não amam,
só espreitam em seus tanques
a voluntariedade dos jovens.
Os meninos de hoje aprendem a lição
do medo atrás da porta,
cantam hinos
e desfraldam bandeiras
sob Ordens do vencedor…
Os meninos de hoje vão à escola,
em cada cabeça um sonho,
em cada passo um pavor,
em cada coração um tormento,
em cada hora uma angústia,
em cada palavra uma ameaça,
para o ofício do saber
diante do aprendizado
da morte que bate à porta.
Os que não conseguem enxergar
a desgraça no amanhã
ajoelham-se frente os professores,
são aprovados em Educação Moral e Cívica
e calam-se perante o seu tempo.
Meninos sem amanhã
que caminham para a escola,
pisando sobre os cadáveres
de outros meninos febris
que procuraram pelo direito à vida,
peregrinaram pelas calçadas,
habitam as ruas,
vivem pelos esconsos
se escondem nas trevas
à procura da outra versão
da história que lhes ensinam.
Eu lhes rendo na escuridão
esta homenagem em palavras
que os anos um dia
descobrirão sob os escombros…
Enquanto os meninos de hoje
aprendem a lição do silêncio,
os poetas malditos
escrevem ao amanhã…
Rio de Janeiro, 22.11.72