"Aqui muitos pássaros lindos de variadas cores perto está uma juriti pronta para tomar um tiro no peito, mas não darei e a vida dela continua em homenagem a ti. Ela voou." (Carlos Lamarca - Diário).
Era o último dia de Carnaval no subúrbio
blocos decadentes
se decompunham desolados
crioulões jogavam bravatas
passistas gostosas faziam dengos
porristas militantes
tomavam engov com cachaça
prostitutas passavam a féria do dia
para gigolôs sem gravata
e piedade.
Eu parado no meu fusca
aguardava apreensivo o encontro
naquela estação abandonada da Linha Auxiliar.
O capim alto escondia os trilhos
os vira-latas se escondiam
entre os entulhos ferroviários.
O Bar fechava
eu olhava o relógio
velhos de camiseta
jogavam sueca
e bebiam cerveja preta.
Há anos o trem não passava por ali
mas todos fingiam não perceber
e se mantinham numa discreta expectativa.
Ele chegou logo depois
entrou no carro
fechou os olhos
não por um cisco
mas por uma questão de segurança
deu boa noite
beijou Yara
partimos.
O capitão estava com um ridículo colar havaiano
que não disfarçava nada
No caminho,
a rádio anunciou a morte de um cardeal
particularmente reacionário.
Seres não tementes de Deus
vaiamos sua memória
com um silêncio cúmplice.
Comentário do pesquisador
Carlos Lamarca foi Capitão do Exército Brasileiro, desertou em 1969 e tornou-se um dos comandantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Entre as suas ações, destaca-se a liderança do grupo que, em 1970, sequestrou o embaixador suíço Giovanni Bucher, no Rio de Janeiro, em troca da libertação de 70 presos políticos. Perseguido por mais de dois anos pelos militares, foi assassinado no interior da Bahia em 1971.