JOSÉ
Perguntas por meu povo.
Direi apenas que não dorme.
Aqui a morte arranca
a palavra aos poetas,
só lhes resta a boca
ferida pelas botas,
só lhes resta o verso armado.
Não me calei,
meu verso é minha arma,
carregada de ternura.
Meu povo não se calou,
o grito dos filhos mortos
corta a carne do silêncio
e rompe a mordaça.
Talvez não tenha ouvido
o canto acorrentado,
a garganta exausta
já não vence o muro,
não vence o peito,
mas o canto arde no sangue
buscando a forma breve,
o estampido,
a rosa breve desenhada
em teu corpo eterno,
nos muros eternos
da Espanha rebelada.
(outubro/75)
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema "José" integra a seção “Livro dos fuzilados”, parte do volume “Poemas do povo da noite”. Na página de abertura da seção, consta uma dedicatória: “Aos companheiros Ángel Otaegui, José Humberto Baena Alonso, José Luis Sanches Bravo, Juan Paredes Manot, Ramon Garcia Sanz, assassinados em Espanha”. Na segunda edição desse livro (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009), há um texto introdutório intitulado “Explicação necessária”. Nessa introdução, Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009, que reproduz “José” nas páginas 102-103, informa que esse poema foi escrito em outubro de 1975.