JOÃO
João se recolhia em cantos,
recantos e nostalgias.
Não cultivava o alimento
dos vãos e dos calados.
João não se nutria
de calafrios e pensamentos
que vão minando por dentro
os secos silêncios abandonados.
João escolhia as arestas,
as curvas, as reticências,
a falsa nua ciência
dos cupins em suas frinchas e gretas.
João domava as pedras,
o óleo do sentimento, a fuga
dos tímidos sem culpa
em tanta vigília amarga e negra.
João negrava, se a luz
do medo tingia o fracassado,
o pastor do próprio pasto
onde a morte é pó e cruz.
João não se compadecia. Curvava
o touro do mal no rosto dos aflitos,
as agulhas agudas do ócio sem sentido
que tecem as mulheres em cava e cova.
João não conhecia a perda,
o pavor do povo sob a força,
a luta de classes, a praga da roça,
o ressentimento justo da fraqueza.
Puro, ouvindo a canção do leite
em suas veias de morto em sono,
João enchia o vácuo do abandono
como um colosso de fantasma
como um misto de enxofre e azeite
como um limpo e asséptico miasma.