João, fragmentos

Lupe Cotrim Garaude

JOÃO, FRAGMENTOS

 

I

 

O que é nosso, João,

entre o teu e o meu

o que separa em posse

a nossa solidão?

Não sei. Não sei

o que era de mim

no que te encontrei.

Hesito entre o inscrito

e o que me vem às mãos:

tenho pouco do perto.

Antes creio

no que ainda terei

porque desperto.

 

Vês o mundo, João,

como quem não sabe

ou enxerga em vão.

É um ver qualquer,

o teu, sem detalhe ou magia,

e devo a teu olhar

o segrêdo ondulado

onde o mundo principia.

 

II

 

Há países mordidos

e uma língua de metal

astuta e imprevisível

dilacerando o homem

em sua própria criança.

O que faremos, João?

Se fôsses meu irmão

teríamos um projeto

duro, aceso,

a caminhar em passos certos.

Mas quem somos

em nossa pouca certeza

e em degraus diferentes?

Enquanto penso, existes

com fomes divergentes.

Franzimos as sobrancelhas

para o que alguns fazem

de nossa bandeira.

Apesar, João:

 

III

 

Enquanto, João,

alegria eu quero

apesar da guerra.

Para nós e em volta

medula de resistência

em nossa presença.

 

Ladeando a fome,

ladeando a morte

de Biafra às vizinhanças

consumir alegria

de manter-se vivo

apesar e contra isso.

 

Se o gesto é escrito

e perduras analfabeto,

se o pão é farto

e teu estômago descalço

se alguns vão à lua

no esplendor da técnica

e prossegue a miséria

em sua chaga satélite,

alegria, João.

Por um outro dia

necessitamos fazer parte

do que nêle principia.

 

Em nossas veias

seduzir sustento;

em nossa carne

afugentar a anemia;

em nossas feridas

do outro, pelo outro,

alegria.

 

Não o riso, sorriso,

o desempenho caloroso,

o salto, o passo distraído;

alegria da chuva por ser chuva

e o vento, vento,

do espaço por ser corpo

e o tempo se entregar

e permitir-nos dentro.

 

O tempo é mais

do que lembramos

no fôlego da memória

e pula fora

da mais gentil ginástica

que nosso abraço ensaia.

Mais do que inventamos

ao pisar o futuro

com cautelas novas:

tem um risco próprio,

denso, de quem

é sempre inteiro

em seu próprio provento.

 

Alegria pela manhã

que contra hoje vai chegar,

sub-versiva, sub-vertida,

    sub-metida.

Alegria de nós, em nosso intento:

alegria como é viva

uma pessoa viva.

 

 

Você também pode se interessar por

— Colofão

Coordenação

Marcelo Ferraz (UFG/CNPq)

Nelson Martinelli Filho (IFES/UFES/CNPq)

Wilberth Salgueiro (UFES/CNPq)

Bolsistas de apoio técnico (FAPES)

Juliana Celestino

Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

Abílio Pacheco de Souza (UNIFESSPA)

Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

Patrícia Marcondes de Barros (UEL)

Susana Souto Silva (UFAL)

Weverson Dadalto (IFES)

Além dos nomes acima muitas outras pessoas colaboraram com o projeto. Para uma lista mais completa de agradecimentos, confira a página Sobre o projeto.

O MPAC é um projeto de caráter científico, educativo e cultural, sem fins lucrativos. É vedada a reprodução parcial ou integral dos conteúdos da página para objetivos comerciais. Caso algum titular ou representante legal dos direitos autorais de obras aqui reproduzidas desejem, por qualquer razão e em qualquer momento, excluir algum poema da página, pedimos que entrem em contato com a nossa equipe. A demanda será solucionada o mais rapidamente possível.

— Financiamento e realização

© 2025 Todos os direitos reservados