IBIÚNA SITIADA
Soldados com metralhadoras
cercam as escolas da pátria,
os meninos com livros em punho
enfrentam as balas assassinas
feito escudos de papelão,
em declaração de guerra
contra a vida infante,
sitiando a Liberdade.
Pelos Campus os soldados
apagam o saber com os coturnos,
marchando sobre a esperança
plantada em cada coração
que traz em taquicardia
o medo do obscuro em cada batida,
cada pancada.
— Vamos todos para o mato
aprender com os bichos
o saber dos homens…
Em sigilo inconfidente,
os estudantes de hoje
caminham pela noite,
cada um com seu caderno
de sonho
e pesadelo,
cada um com uma pedra
escondida entre os dedos,
cada qual com o pressentimento
entremeado na alma,
em cada passo uma aventura,
os estudantes caminham
neste tempo de revolta.
Muitos vindos do sul,
outros surgindo do leste,
do norte em ebulição
e dos pantanais de mistério
ao encontro clandestino,
hora e dia marcados
na memória
e na coragem
de uma gente destemida.
Todos caminham contritos
para aprender a lição
da vida que nos instiga
a procurar a Liberdade.
Cada menino aprendiz
anota na alma
o que jamais será esquecido.
— Todos no lugar, todos,
e se o mestre mandar fazer.
faremos todos.
e se não fizermos
seremos presos...
Os meninos cantam pelos caminhos
dos bandeirantes de ontem
as canções de nosso tempo:
protesto
e alegria.
Mas os soldados com metralhadoras
cercam as estradas do Vale
do Ribeira com baionetas,
montam barricadas,
desmancham desejos
e revivem pesadelos.
— Ibiúna sitiada,
Ibiúna pisoteada,
Ibiúna prisioneira,
Ibiúna campo de guerra,
Ibiúna que não será esquecida…,
escrevem na memória
esvaída pelos esconsos,
tomados pela surpresa
e pela amargura...
Todos a postos nos caminhões,
viagem de volta do sonho,
trazendo na palma da mão
o rascunho dos discursos
e nos corações venturosos
uma pergunta uníssona:
— Será que continuaremos presos?
— Será que continuaremos vivos?
— Será que seremos mortos?
Os soldados com suas armas
sitiaram o Sítio
e fizeram de Ibiúna
para sempre uma lembrança
empedernida no caminho
dos que aprenderam com a derrota
a lição da Liberdade.
Ibiúna viverá,
perante a História.
como um Campus impossível
de uma batalha inglória.
Ibiúna viverá em nós
eternamente sitiada.
São Mateus-ES, 28.11.68