HOJE NÃO ESTÁS COMIGO
Hoje não estás comigo
e, entretanto, vives.
Rememoro.
Meus dedos, como antes,
escondidos nos teus cabelos.
Agradecido
o lábio leve pousado
sobre a pele,
e a palavra em bruma
dissolvida
era sobretudo uma forma
de silêncio.
Hoje não estás comigo
e, entretanto, vives.
Rejeito a solidão dos inconsolados.
Guardo teu nome nas paredes da cela.
Nas cartas escritas.
Num poema pleno de promessas.
No meu próprio sangue
a envolver o asfalto nas cores da manhã
que te foi negada.
E então somos um só
e a solidão é impossível.
Hoje não estás comigo
e, entretanto, vives.
Em mim. Na boca de meus irmãos.
No povo regressando à praça.
No gesto dos que prosseguem...
Sobretudo vives na manhã de teus olhos
que a morte não apagará.
Hoje não estás comigo
e, entretanto, vives.
Recolho teu gesto interrompido
(e queima no peito uma saudade definitiva)
para recompô-lo durante
a jornada.
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Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema "Hoje não estás comigo" integra a seção “Poemas da companheira”, parte do volume “Poemas do povo da noite”. Na segunda edição desse livro (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009), há um texto introdutório, intitulado “Explicação necessária”, em que Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009, que reproduz “Hoje não estás comigo” nas páginas 79-80, informa que esse poema foi escrito em 1974.