Heráldica
Em campo negro e sombra,
a rosa branca, votiva.
Ave e lua, a única,
viva.
A forma é vaga, seu mero
espectro de coração.
Escudo mudo e sisudo,
vão.
Quando bóia algum azul
(uns olhos que acrescento),
mais se vê o calcinado
lamento.
Só o amor é tradição
nesta nobreza em pranto.
Espesso rio que cresce
tanto.
Essas as armas: silêncio,
ramas de sangue, ciência
do beijo, e a arada
adolescência.
Um turvo brasão de medo,
nave que não traz vitórias.
Antes angústia e marés
inglórias.
Campo de negro e de triste,
em que a cor já se esquiva.
No meio a rosa, a única,
passiva.
Comentário do pesquisador
O termo "Heráldica", ligado a escudos, armas e brasões, desde logo evoca o imaginário bélico, o qual também está vinculado aos Anos de Chumbo. Nesse contexto, a quinta estrofe menciona "Essas as armas", além do "turvo brasão de medo", os quais dialogam com o contexto militar e totalitário da época, quando o medo, a lembrar o que diz Arendt em "As origens do totalitarismo, faz parte do cotidiano das pessoas. Formalmente, o poema pode ser observado como sendo feito por meio de quadras, ainda que o quarto verso de cada estrofe tensione com o silêncio e com a possibilidade da quarta linha ser, em certo viés, continuação da terceira. Nesse sentido, por sinal, o uso do silêncio também se faz expressivo nesse poema e nesse tempo em que a censura se faz presente.