Grafitos brasileiros

Affonso Romano de Sant'Anna

GRAFITOS BRASILEIROS

 

Que grafias e sinais

são esses

    que aparecem escritos

nos murais do dia?

 

São siglas de partido?

Mensagens do inimigo?

Nomes de remédio?

Ou fórmulas de suicídio

e tédio?

 

  Que sentido podem ter

VROG

  ZAG

DIG

  NAP

CHOK

   LYCK?

 

Que língua sabe o som

dessa LANG

 DUC

e KON?

 

São garatujas do pasmo

de uma geração excitada

com seu precoce orgasmo?

São signos apocalípticos

ou logotipos do caos?

 

São linossigno do medo?

Alfabeto de brinquedo?

São rebelião de letras

num estranho carnaval?

São um jornal sucinto

do fim do século vinte?

Ou in hoc signo vinci

de algum santo-e-general?

Será que têm sentido remoto

e ignoto

  como  LERFA MU

        PAGGEGG

             ZOIDE ASPEN

             e CELACANTO

             PROVOCA MAREMOTO?

Será a velha "língua do P"

em sintagmas partidos, dizendo

mais a quem os vê que a ideologia

do PT e PDT, discursando a velha história

do PC e CCC, CGT e TFP?

Ou são aquela utopia

explodida pelos ares

estilhaços de

    POLOP

    AP

MR-8

VAR-PALMARES?

Doem mais do que doía

o codinome arrancado

ao enfrentar DOI-CODI

  SNI

    e CENIMAR?

São marcas do ferro em brasa

sobre as carnes do boi-dia,

berrando no entardecer

as letras da mais-valia?

São carimbos e rubricas

burocratizando as vias?

Têm algo a ver com PIS-PASEP

CEP e CLT?

 

2

 

Desde a infância

olhando o céu — com os crentes

via riscos de cometas

anjos incandescentes

constelações de sentido

estrelas e aviões

   cadentes

fogos de artifício, e, só depois,

a guerra e seus suplícios:

RAF

  III REICH

 LUFTWAFFE

 FEB

    FAB

   e V-2.

Desde a infância eu aprendi,

com o profeta Daniel, a ler

a mão de Deus inscrevendo o nosso fim:

 MENE

 MENE

 TEKEL

 URFAZIM.

Por que não posso ler a letra

que solerte está no muro?

 

Por que, mudo, mal soletro

a instância da letra em mim?

Então já não aprendi a arte

medieval e pop, a ler

demônios de Bosch

nas tatuagens do rock?

E no aqui e no agora

a ler o hic et nunc

misturado ao grito punk?

Por que não posso sorver o leite

e as letras garrafais

no seio da camiseta?

Por que inda quebro a cabeça

nessa Pedra de Roseta?

Sou Champollion pervertido

ao redor do próprio umbigo?

Por que me perco nos textos

que eu próprio escrevo e leio

como se fossem

hieroglifos alheios?

Quem será que canhestro

tece o estranho texto

nessa Torre de Babel?

Quem compõe essa barroca

algaravia?

Quem refaz no palimpsesto

o texto novo, como a abelha

a cera e o mel?

 

Ninguém sabe ou saberia.

Nem este pobre poeta

ou o profeta Daniel.

 Mas todo dia

a nova escrita se inscreve

sobre os muros da cidade,

nos desafia a leitura

  — quando clareia o céu.

 

 

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— Colofão

Coordenação

Marcelo Ferraz (UFG/CNPq)

Nelson Martinelli Filho (IFES/UFES/CNPq)

Wilberth Salgueiro (UFES/CNPq)

Bolsistas de apoio técnico (FAPES)

Juliana Celestino

Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

Abílio Pacheco de Souza (UNIFESSPA)

Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

Patrícia Marcondes de Barros (UEL)

Susana Souto Silva (UFAL)

Weverson Dadalto (IFES)

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— Financiamento e realização

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