GRAFITOS BRASILEIROS
Que grafias e sinais
são esses
que aparecem escritos
nos murais do dia?
São siglas de partido?
Mensagens do inimigo?
Nomes de remédio?
Ou fórmulas de suicídio
e tédio?
Que sentido podem ter
VROG
ZAG
DIG
NAP
CHOK
LYCK?
Que língua sabe o som
dessa LANG
DUC
e KON?
São garatujas do pasmo
de uma geração excitada
com seu precoce orgasmo?
São signos apocalípticos
ou logotipos do caos?
São linossigno do medo?
Alfabeto de brinquedo?
São rebelião de letras
num estranho carnaval?
São um jornal sucinto
do fim do século vinte?
Ou in hoc signo vinci
de algum santo-e-general?
Será que têm sentido remoto
e ignoto
como LERFA MU
PAGGEGG
ZOIDE ASPEN
e CELACANTO
PROVOCA MAREMOTO?
Será a velha "língua do P"
em sintagmas partidos, dizendo
mais a quem os vê que a ideologia
do PT e PDT, discursando a velha história
do PC e CCC, CGT e TFP?
Ou são aquela utopia
explodida pelos ares
estilhaços de
POLOP
AP
MR-8
VAR-PALMARES?
Doem mais do que doía
o codinome arrancado
ao enfrentar DOI-CODI
SNI
e CENIMAR?
São marcas do ferro em brasa
sobre as carnes do boi-dia,
berrando no entardecer
as letras da mais-valia?
São carimbos e rubricas
burocratizando as vias?
Têm algo a ver com PIS-PASEP
CEP e CLT?
2
Desde a infância
olhando o céu — com os crentes
via riscos de cometas
anjos incandescentes
constelações de sentido
estrelas e aviões
cadentes
fogos de artifício, e, só depois,
a guerra e seus suplícios:
RAF
III REICH
LUFTWAFFE
FEB
FAB
e V-2.
Desde a infância eu aprendi,
com o profeta Daniel, a ler
a mão de Deus inscrevendo o nosso fim:
MENE
MENE
TEKEL
URFAZIM.
Por que não posso ler a letra
que solerte está no muro?
Por que, mudo, mal soletro
a instância da letra em mim?
Então já não aprendi a arte
medieval e pop, a ler
demônios de Bosch
nas tatuagens do rock?
E no aqui e no agora
a ler o hic et nunc
misturado ao grito punk?
Por que não posso sorver o leite
e as letras garrafais
no seio da camiseta?
Por que inda quebro a cabeça
nessa Pedra de Roseta?
Sou Champollion pervertido
ao redor do próprio umbigo?
Por que me perco nos textos
que eu próprio escrevo e leio
como se fossem
hieroglifos alheios?
Quem será que canhestro
tece o estranho texto
nessa Torre de Babel?
Quem compõe essa barroca
algaravia?
Quem refaz no palimpsesto
o texto novo, como a abelha
a cera e o mel?
Ninguém sabe ou saberia.
Nem este pobre poeta
ou o profeta Daniel.
Mas todo dia
a nova escrita se inscreve
sobre os muros da cidade,
nos desafia a leitura
— quando clareia o céu.
Comentário do pesquisador
As siglas POLOP (Política Operária), AP (Ação Popular), MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro) e VAR-PALMARES (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares) referem-se a grupos de oposição ao regime militar da esquerda armada brasileira. Os movimentos de guerrilha urbana e rural se intensificaram quando não havia mais espaço possível para contestação, ainda que pacífica. O AI-5 proibia qualquer manifestação e, além disso, instaurou a pena de morte, a prisão sem julgamento e a censura prévia dos meios de comunicação. Entre as ações desses grupos, destaca-se a libertação de diversos presos políticos por meio do sequestro de diplomatas de governos que faziam representação de seus países no Brasil, entre eles o embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, o cônsul japonês Nobuo Okushi, o embaixador alemão Ehrenfried Anton Theodor Ludwig Von Holleben e o embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher. O objetivo era, além da troca de líderes políticos, chamar a atenção do cenário mundial para a situação política do Brasil. O DOI-CODI (Departamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna) foi um órgão subordinado ao Exército, de inteligência e repressão do governo brasileiro durante a ditadura. O SNI (Serviço Nacional de Informações) foi criado em junho de 1964 com o objetivo de supervisionar e coordenar as atividades de informações e contrainformações no Brasil e exterior. O CENIMAR (Centro de Informações da Marinha) foi criado em 1957 com a finalidade de obter informações de interesse da Marinha do Brasil. A partir de 1968, no entanto, o órgão passou a ser empregado na repressão à luta armada de organizações de extrema esquerda.