GOLPE
(PPSP, 13 de novembro Hoje sou um a menos.
de 1975) Tenho o braço amputado,
naveguei a lama
de uma noite faminta,
noite de vermes armados.
Naveguei, menino
de olhos vazados
pela brasa de ferros
enfurecidos.
Vivo o chão dos mortos.
Uma terra onde se costura
a boca dos homens.
Naveguei uma noite de feras.
Minha alma morreu um pouco
esta manhã.
Sangra no telhado
a lágrima recusada
por meus olhos,
meu ódio,
minha dor.
Foge esta lágrima de fogo
queimando a lenha do meu peito,
devastado por um vento de girassóis.
Companheiro,
guarda nos ouvidos
nossa canção de coragem,
aprisionada como tuas mãos
nesta manhã de silêncio
e cinzas…
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. A segunda edição de “Poemas do povo da noite” (São Paulo, Fundação Perseu Abramo e Publisher Brasil, 2009) inclui o livro “Água de rebelião”, publicado originalmente em 1983. No texto introdutório da edição de 2009, intitulado “Explicação necessária”, Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). Após a reprodução de ilustrações de Cerezo Barredo Dial, que constam na primeira edição do livro, a segunda edição apresenta uma dedicatória: “Estes poemas permanecerão ardendo para guardar a memória de Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck Machado, assassinados pelos carrascos da ditadura enquanto dormiam”. Logo a seguir, há uma explicação: “Estes poemas tratam de homens reais, de torturas reais, de assassinatos reais ainda impunes” (TIERRA, 2009, p. 169).