FRASES-FEITAS
…uma família de espíritos finos e medidos, cujo
maior defeito estaria em certa propensão para
rebuscar, ora a frase, ora o conceito.
ANTONIO CANDIDO
(Literatura caligráfica)
façamos a revolução
antes que o povo a faça
antes que o povo à praça
antes que o povo a massa
antes que o povo na raça
antes que o povo: A FARSA
o senso grave da ordem
o censo grávido da ordem
o incenso e o gáudio da ordem
a infensa greve da ordem
a imensa grade DA ORDEM
terra do lume e do pão
terra do lucro e do não
terra do luxo e do não
terra do urso e do não
terra da usura e DO NÃO
mais da lei que dos homens
mais da grei que os come
mais do dê que do tome
mais da rei que do nome
mais da rês que DA FOME
num peito de ferro
é um coração de ouro
é o quorum a ação do ouro
é o coro a ação do ouro
é a cor a ópio-ação do ouro
é a gorda nação DO OURO
modesto como convém
austero como é do gosto
aufere como é do gosto
ao ferro como é do gosto
ar estéril como é do gosto
austero e comendo A GOSTO
solidário só no câncer
solidário só no câmbio
solidário só na canga
solidário só na campa
solidário só NA CAMA
aos inimigos bordoada
aos amigos marmelada
aos contíguos marmelada
aos conspícuos marmelada
aos promíscuos marmelada
aos ambíguos MARMELADA
o crime é não vencer
o crime é não vender
o crime é não vir a ser
o crime é não virar cedo
o crime é o NÃO VEZES CEM
libertas quae sera tamen
liberto é o ser que come
livre terra ao sertanejo
livro aberto será a trama
LIBERTO QUE SERÁ O HOMEM
Comentário do pesquisador
“FRASES-FEITAS", desde a epígrafe, circunscreve uma filiação à esquerda, com a referência a Antonio Candido. O tom irônico, ademais, já no começo lança em jogo elementos como a “revolução” (termo utilizado pelo militarismo para se referir ao Golpe Militar e termo utilizado pelos revolucionários de esquerda para se referirem às lutas pela igualdade). Na segunda estrofe, a “ORDEM” (palavra presente na bandeira do Brasil e muito valorizada no contexto militar) é repensada, mostrando aspectos menos ordeiros e muito presentes entre homens de farda. Também passa pelo jogo dos trocadilhos e reflexões a ideia de “lei”, de modo a tecer afinidades entre ela e a desigualdade social expressa em “DA FOME”. Por fim, na última estrofe, slogans de liberdade (tão importantes em tempos de luta contra a Ditadura) são alinhados, variando a máxima presente na bandeira de Minas Gerais: “LIBERTO QUE SERÁ O HOMEM”.