Forma para Fantasia
As celas estão quase vazias
hoje somos apenas quinze,
um pra cada ano de opressão.
Acredito que chegará meu dia
e encontrarei um mundo diferente:
amigos mortos, feridas abertas
viadutos desconhecidos
prédios enormes
engarrafamentos colossais
e uma certa indefinição política.
Mas ainda deve-se discutir as mesmas questões
do meu tempo
só que em outros bares.
Difícil é imaginar
que eu terei quase trinta anos
um filho que anda
uma experiência de vida respeitável
novos amores
velhos dissabores
e uma receita de óculos vencida.
Saberei controlar meu ceticisco
e também suportarei em paz meus semelhantes
desiguais de mim em tudo.
Antes de me encher de vez da existência
talvez vá a algumas festas
e mesmo interpelado com veemência
não contarei nenhum caso de prisão.
Preferencialmente
estarei próximo das pessoas que amo
e em caso contrário,
sozinho.
Usarei meu métier aprendido na clandestinidade
para fugir dos chatos
meu suéter de lhama no inverno
evitarei discussões muito profundas em público
caso seja possível não exercerei qualquer militância
durante as noites
e os fins de semana.
Possivelmente serei tido como louco
pois pretendo vagar a esmo
olhar perdido sem contorno
inacessível a qualquer apelo
vou seguir apenas os rastros da paisagem
as pegadas do horizonte
selvagemente, como um índio.
Ao contrário de como fiz antes,
agora já não quero conquistar nada
sequer que minha foto saia
no anuário dos exploradores vitoriosos.