Exilado nesta gilete que é o A.I.-5
nos tendões da alma quando tenta o salto
sobre os buracos do ser
Exilado aqui e em qualquer lugar
em que os éditos proíbem
as florações do tempo
que se faz linguagem
do ser sendo em seu devir
na mão ou na boca
que desvenda ou cria
as significações do homem
Exilado no desfecho dourado dos negócios
em que o meu coração maior fora vendido
como se de nada ele valesse
entre as duplicatas e as faturas
Exilado nestas madrugadas em que eu chuto
as luas transformadas em caveiras
feitas com o próprio osso do que eu penso
na boca dos cães que me devoram
Exilado no silêncio que se encaixotava
e ao poeta
entre o ruído de um automóvel ao longe
e a queda da noite
Exilado no silêncio dos tapetes (a mulher
dormindo em outros mundos acordados)
e na própria mão
aranha a deslizar sobre o papel
em branco como em branco
o resultado de tudo ali parado
entre a minha janela e o infinito
Comentário do pesquisador
Esse trecho pertence ao longuíssimo poema de 88 páginas, publicado em 1977, intitulado "Canção do exílio aqui ou Alguns elementos para o inventário de uma geração nesta cidade do Rio de Janeiro" O texto se ergue a partir de uma construção paralelística em que todos os versos se iniciam com as mesmas palavras "Exilado no/a", que indicam a condição de estranhamento e deslocamento do poeta frente ao seu tempo. Como apontado por Alceu Amoroso Lima (1977), no prefácio do próprio livro que abriga o poema, não se trata de um exílio espacial, mas de um exílio no próprio tempo e nas instituições sociais dominantes. O trecho destacado acima se encontra na seção "Abertura", do livro-poema. Cabe lembrar que a obra inteira tematiza a vida, o cotidiano e a história durante o período da ditadura militar, fazendo referência direta a inúmeros acontecimentos e figuras da época. Por conta da extensão do poema, que inviabilizaria a sua publicação na íntegra, foram selecionados apenas alguns trechos para compor o Memorial Poético dos Anos de Chumbo.