Exilado na pedra
Exilado no ar
Exilado no bar
Exilado numa canção de Joan Baez
Exilado no silêncio do amigo
Exilado na resposta do inimigo
Exilado no 3x4 da profissão
Exilado no direito, por ser negado
ou no dever, porque é imposto
Exilado nos olhos da mulher que ama
Exilado na desilusão maior
dentro do próprio coração
que não mais crê
nem sabe como responder
Exilado no tédio
Exilado no gozo
Exilado na valsa de Strauss
que não girava no azul de 2001
e sim nas alamedas
do cemitério São João Batista
Exilado no ano 2001
ou neste 1977, não mais da graça
Exilado no velocípede que nunca tive
Exilado no feijão estocado
sem que houvesse quebra-quebra
Exilado no relógio de ouro ou no ato
de curvar-me para amarrar
os sapatos, como quem amarra
a vida que não vai andar
Exilado na gritaria dos meninos
quando eu passo na rua
com a minha carroça de sonhos
quebrados
Exilado na necessidade de inventar
formas novas de pensar
o homem de amanhã no mundo de agora
Exilado como o queijo dado aos ratos
a mamadeira do natimorto
o tamanco achado no mar
ou a queda de quem escala
um olho cego na rua
Exilado como o desejo dos velhos ou
como a bola no campo
em que não há mais jogador
Exilado como o vestido na vitrina
ou a vela acesa no asfalto
Exilado nesta garrafa de aguardente
ou na sombra do copo definindo
os vazios da noite sobre
a mesa da cozinha
Exilado na coronha das espingardas
vendidas como ornamento
Exilado na fogueira que se extingue
ou na chama dos incêndios
que não são amanheceres
Comentário do pesquisador
Esse trecho pertence ao longuíssimo poema de 88 páginas, publicado em 1977, intitulado "Canção do exílio aqui ou Alguns elementos para o inventário de uma geração nesta cidade do Rio de Janeiro". Todo o texto se ergue a partir de uma construção paralelística em que todos os versos se iniciam com as mesmas palavras "Exilado no/a", que indicam a condição de estranhamento e deslocamento do poeta frente ao seu tempo. Como apontado por Alceu Amoroso Lima (1977), no prefácio do próprio livro que abriga o poema, não se trata de um exílio espacial, mas de um exílio no próprio tempo e nas instituições sociais dominantes. O trecho destacado acima se encontra na seção "Abertura", do livro-poema. Cabe lembrar que a obra inteira tematiza a vida, o cotidiano e a história durante o período da ditadura militar, fazendo referência direta a inúmeros acontecimentos e figuras da época. Por conta da extensão do poema, que inviabilizaria a sua publicação na íntegra, foram selecionados apenas alguns trechos para compor o Memorial Poético dos Anos de Chumbo.