Estória de um suicídio na fábrica de adesivos

Mário Chamie

ESTÓRIA DE UM SUICÍDIO NA FÁBRICA DE ADESIVOS

 

   — mortelex, duratex

 

1.

numa fábrica de adesivos

um suicídio nunca visto.

 

o operário

:a navalha na garganta.

 

o sanguiário

:muitas faixas para a estanca.

 

pela garganta/ os golfos

para a estanca/ os rolos

 

os golfos de sangue na garganta

os rolos de faixa para a estanca.

 

os golfos de sangue vivo

as faixas de adesivo.

 

mas a faixa de adesivo nada estanca

nem a graxa do sangue na garganta.

 

se nem estanca um corte

pela garganta/ a não morte.

 

a não morte do operário

contra o corte sanguiário.

 

contra a não morte

(suas fintas e capricho)

o operário com seu destino.

 

com o tão corte

(seu fio de sangue vivo)

o sanguiário nos cilindros.

 

com seu destino e suas linhas

contra o cilindro e suas ligas

 

: o operário/ o sanguiário

busca a morte nunca vista.

 

   esta a estória

   para a memória

  e seus dissídios

   numa fábrica de adesivos.

 

2.

os cordonéis da fita/os carretéis da cinta

o vermelho das faixas/ o amarelo da graxa

 

pelas faixas: os cordonéis.

pela graxa: os carretéis

  da cinta/fita

no cilindro e suas ligas.

 

  ★

 

em cada liga/ uma faixa

em cada fita/ uma graxa

 

em cada faixa de fita/o adesivo

em toda graxa da fita/ curativo

 

um adesivo para o lacre

um curativo para o corte

 

se em cada lacre uma cinta

   em todo corte uma fita

 

3.

nas ligas do cilindro/ a camada de cada faixa

nas fintas do destino/ a pomada de toda graxa

 

em cada faixa uma liga

em toda graxa uma finta

 

no cilindro uma pomada

o destino e suas camadas:

 

 ★

 

nas camadas do destino

as estradas do suicídio:

 

o suicídio pulo n'água

o delírio da facada

na carótida inflada.

 

o suicídio por veneno

o martírio do despeito

na paixão de negro negro.

 

o suicídio pela corda

o convívio da discórdia

no calor de cada casa.

 

o suicídio fogo em veste

o espinho do desgaste

no abandono e sua febre.

 

o suicídio da janela

o florido de camélias

no torto rosto dela.

 

o suicídio asfixia

o marido e sua ferida

na vingança sem saída.

 

pela vida e suas camadas

cada suicídio em sua faixa.

 

4.

 

mas esse suicídio na fábrica

de adesivos e outras lacas

 

: um suicídio testemunho

de outro corte não nos punhos.

 

: um suicídio sem destino

entre as ligas de um cilindro.

 

: um suicídio cobra rindo

no sangue da fita em pingos.

 

: um suicídio para a crônica

de uma fábrica e sua esponja:

 

a esponja da memória

contra a tônica da estória.

 

 

Você também pode se interessar por

— Colofão

Coordenação

Marcelo Ferraz (UFG/CNPq)

Nelson Martinelli Filho (IFES/UFES/CNPq)

Wilberth Salgueiro (UFES/CNPq)

Bolsistas de apoio técnico (FAPES)

Juliana Celestino

Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

Abílio Pacheco de Souza (UNIFESSPA)

Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

Patrícia Marcondes de Barros (UEL)

Susana Souto Silva (UFAL)

Weverson Dadalto (IFES)

Além dos nomes acima muitas outras pessoas colaboraram com o projeto. Para uma lista mais completa de agradecimentos, confira a página Sobre o projeto.

O MPAC é um projeto de caráter científico, educativo e cultural, sem fins lucrativos. É vedada a reprodução parcial ou integral dos conteúdos da página para objetivos comerciais. Caso algum titular ou representante legal dos direitos autorais de obras aqui reproduzidas desejem, por qualquer razão e em qualquer momento, excluir algum poema da página, pedimos que entrem em contato com a nossa equipe. A demanda será solucionada o mais rapidamente possível.

— Financiamento e realização

© 2025 Todos os direitos reservados