Eppur si muove

Affonso Romano de Sant'Anna

EPPUR SI MUOVE

para Leonardo e Clodovis Boff

 

Não se pode calar um homem.

Tirem-lhe a voz, restará o nome.

Tirem-lhe o nome

e em nossa boca restará

a sua antiga fome.

 

Matar, sim, se pode.

Se pode matar um homem.

Mas sua voz, como os peixes,

nada contra a corrente

a procriar verdades novas

na direção contrária à foz.

 

Mente quem fala que quem cala consente.

Quem cala, às vezes, re-sente.

Por trás dos muros dos dentes,

edifica-se um discurso transparente.

 

Um homem não se cala

com um tiro ou mordaça. A ameaça

só faz falar nele

o que nele está latente.

 

Ninguém cala ninguém,

pois existe o inconsciente.

Só se deixa enganar assim

quem age medievalmente.

 

Como se faz para calar o vento

quando ele sopra

com a força do pensamento?

Não se pode cassar a palavra a um homem,

como se caçam às feras o pêlo e o chifre

na emboscada das savanas.

Não se pode, como a um pássaro,

aprisionar a voz humana.

A gaiola só é prisão

para quem não entende

a liberdade do não.

Se a palavra é uma chave,

que fala de prisão, o silêncio

é uma ave

— que canta na escuridão.

 

A ausência da voz

é, mesmo assim, um discurso.

É como um rio vazio, cujas margens sem água

dão notícia de seu curso.

 

No princípio era o Verbo

— bem se pode interpretar:

no princípio era o Verbo

e o Verbo do silêncio

só fazia verberar.

Na verdade, na verdade vos digo:

mais perturbador que a fala do sábio

é seu sábio silêncio,

  con-sentido.

 

O que fazer de um discurso interrompido?

Hibernou? Secou na boca, contido?

Ah, o silêncio é um discurso invertido,

modo de falar alto

    — o proibido.

 

O silêncio

depois da fala

não é mais inteiro.

Passa a ter duplo sentido.

É como o fruto proibido, comido

não pela boca,

mas pela fome do ouvido.

 

Se um silêncio é demais,

quando é de dois, geminado,

mais que silêncio

   — é perigo,

é uma forma de ruído.

 

Por isto que o silêncio

da consciência,

quando passa a ser ouvido

não é silêncio

— é estampido.

 

 

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— Colofão

Coordenação

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Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

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Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

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