EPITÁFIO
De tua história, nada;
ou tudo, se quiseres:
entre uma e outra data,
a fábula de seres,
nunca o tangível, mas
o pássaro, o maralto
(o passo, não: o salto
em vão, fora do espaço),
o amor, vale dizer:
sua forma álgida e rara,
avessa à coisa amada
—— e, súbito, colher
a morte, flor cediça,
dentro da vida.
Comentário do pesquisador
Na lírica de Ivan Junqueira, é por vezes difícil localizar referências explícitas e diretas à Ditadura Militar. O poema, não raro, tende a considerações no plano da ontologia, sendo um tanto esquivo da política mais imediata. De todo modo, nesse "Epitáfio" parece haver consciência desse gesto oblíquo, ao dizer "De tua história, nada", ao mesmo tempo que, nesse silêncio, parece haver também um gesto político, ao indicar "ou tudo, se quiseres". A ausência, assim, obtém sentido político, ligado à história, ao tempo presente. Dessa maneira em que o nada é tudo, é interessante inclusive redimensionar temáticas caras à poética de Junqueira, a exemplo de mortos e ossos, vazios e silêncios.