EM LINHARES
(Para Efigênia)
O vento leste-oeste
uivando loucamente
nas noites chuvosas
O lamento choroso dos
eucaliptos
injustiçando a cascatinha
O silêncio noturno
do cárcere político
povoado de nossos sonhos
O canto dos pardais
bem cedinho
acordando o dia
A foto colorida
da filha de um companheiro
As borboletas festivas
alegres como pirilampos
raras como crianças
O riso sonoro
das brincadeiras coletivas
A palhacinha da TV
dançando as Quatro Estações
de Vivaldi
O bando de pássaros-pretos
alegres e furtivos
pousados no muro da prisão
A voz de criança
que ultrapassa as grades
e invade nossos corações
A coruja sob refletores
olhando a escuridão
das celas
A lembrança
de um amigo solitário
As seriemas
latindo aos céus
de cima da corcova do morro
As cantorias coletivas
em memória
dos que tombaram
A florzinha amarela
teimosa e sem nome
que nasce
entre as pedras
do pátio da prisão
Um abraço enviado
por um companheiro distante
Os pombos
as andorinhas
toda a passarinhada
e ainda as tilápias da represa
A estradinha que margeia o
córrego
e as pessoas que por ela passam
tão próximas e tão distantes
O brilho dos olhos
do companheiro
anunciando a sua visita
O escaravelho preto
a bruxa felpuda
e a aranha tecelã
A modinha sertaneja
cantilena chorosa
cantochão de saudade
O último aceno
do companheiro
que parte liberto
O céu tingido de rubro
no crepúsculo
por detrás do cadeião
O barulho quase inaudível
do trem de ferro
que passa lá na cidade
e segue adiante
Os acordes da velha canção
Internacional
As sempre-vivas
os girassóis e as saudades
do jardim das companheiras
A notícia da Vitória
onde quer que aconteça
Eis o que é belo
em Linhares.
O belo das pequenas coisas
em Linhares
me lembra ela.
Dezembro de 1976
Cela 97
Comentário do pesquisador
O poema “Em Linhares” integra o volume “131-D, Linhares: memorial da prisão política”, publicado por Gilney Amorim Viana em 1979. Na introdução do livro, o poeta relata sua militância política, seu envolvimento na luta armada contra a ditadura e as duas ocasiões em que foi preso. Embora o livro seja predominantemente constituído por textos em prosa, há três poemas, posicionados no início e no final da coletânea. Escritos durante o período de cárcere político, esses poemas apresentam as preocupações, os problemas e a vida cotidiana dos presos políticos vitimados pelo aparelho repressor da ditadura. Gilney Viana ingressou no Partido Comunista Brasileiro ainda muito jovem. Em 1964, foi preso pela primeira vez, aos 18 anos. Foi levado para o DOPS e passou por interrogatórios e espancamentos; essa primeira prisão durou 14 dias. Depois, diante da impossibilidade de exercer livremente a oposição política e a expressão de ideias durante a ditadura, violenta já desde o início, Gilney e vários outros militantes, inconformados com a realidade política e social do país, integraram uma organização de luta armada ligada à Ação Libertadora Nacional (ALN). Preso pela segunda vez em 1970, foi barbaramente torturado por muitos dias no DOI-Codi do Rio de Janeiro. Condenado, passou por várias prisões, detido por mais tempo na Penitenciária Regional de Juiz de Fora (bairro Linhares, em MG) e no Presídio Político da Rua Frei Caneca (Rio de Janeiro). Durante os quase 10 anos em que ficou preso, redigiu poemas e relatos em prosa. Participou ativamente da campanha pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, mas não foi beneficiado pela anistia parcial autoconcedida pelo governo do General Figueiredo. Foi solto em liberdade condicional no final de 1979 e continuou sua militância política, participando da fundação do Partido dos Trabalhadores, o PT. Em 2011, o poema foi reeditado, com o título "O belo das pequenas coisas em Linhares", no livro "Poemas (quebrados) do cárcere" (p. 59-63).