Duas Américas
Nos muros de Aracaju
ai! que letras resistentes
nos muros de Aracaju,
Haiti francês e negro —
— Louverture, onde estás tu?
Guatemala, Guatemala,
nos muros de Aracaju,
S. Domingos, você leu?
Chile, Bolívia e Peru,
há três anos escrevi
nos muros de Aracaju:
Independência nacional não é nacionalismo!
Mais depressa, bandolero,
ilhas mestiças, depressa!
mande na ONU e não peça:
Independência nacional!
(não para ser igual a essa,
essa que rouba trabalho,
América, mais depressa!)
Propriedade social
se faz com armas, ó Eça!
Iroqueses sem família,
Vossas mães não são mais dessa
América, pintai de preto
o Presidente, depressa,
que seja linchado em Ohio,
às armas mande e não peça,
solapando a OEA
fuzil e voto, depressa!
Saia do Vietnã
ó quadrilha da possessa!
Ponha chiclet na boca
dos bobos de Mister dessa
América de ócio e roubo,
guerrilheiros, mais depressa!
De Havana vem pelos ares,
onda, som, fonema, guia.
Ilha maior que um continente!
que mudou a geografia.
(Ah! Cuba, perdi amor,
mais seis dentes perderia!
Ilha maior que um continente!
que mudou a geografia.)
Matéria expansiva eu sou,
expansiva e comprimida
no fundo desta prisão,
palavra diminuída,
presa a ideia, presos os pés,
palavra diminuída,
os braços arrebentando
ataduras de envolvida
— relações familiares,
domesticação vencida,
é corpo sem esqueleto —
relações de uma Era ida.
De Havana vem pelos ares,
onda, som, fonema, guia.
Ilha maior que um continente!
que mudou a geografia.
América Central, apêndice
de monopólios, então
eis América Central
pioneira da revolução!
As três Américas são duas
e eu sofro de comoção
social: quem mata e rouba e
muda nome de prisão?!
Velocidade eletrônica
mede teu tempo ancião
de outra Era, camarada,
meu relógio é a refeição!
Outro sistema, outra Era,
e eu dentro da prisão!
De Havana vem pelos ares,
onda, som, fonema, guia.
Ilha maior que um continente!
que mudou a geografia.
Lá no planalto central
do Brasil, não há depois,
democracia burguesa
acabou-se, e Mister pôs
economia sem política,
e aos burocratas dispôs.
Marechal faz continência
— Yes, sir! não somos dois:
— Os consórcios monstruosos
roubam trabalho. Quem sois?
Bobos do imperialismo
comem gorjeta e arroz.
Contra fifty do petróleo
Já Maracaibo indispôs,
O´Bravo, não há conflito,
mais depressa O´Bravo, pois
o alto Pico da Neblina,
teu e meu, é de nós dois!
Comentário do pesquisador
As obras publicadas da poeta Jacinta Passos são datadas do período anterior à ditadura militar e foram escritas entre o período de 1933 e 1953. Apesar do forte teor político e uma filiação com o pensamento da esquerda comunista, as poesias da autora não apresentam relação inequívoca com a ditadura militar, pois naquele período a poeta esteve internada em um sanatório. Durante a internação (1967 a 1973), Jacinta Passos escreveu poemas, contos, radioteatro, canções, em 56 cadernos, dos quais 20 foram reunidos por sua filha, a historiadora Janaína Amado, e publicados em uma antologia no ano de 2010. Neste volume, a organizadora sinaliza que no poema "Duas Américas" (1967) Jacinta escreve sobre sua revolta contra o sistema que governava o país naquele momento. Não há outros poemas em que se pode observar uma referência clara à ditadura militar, mas isso não quer dizer que a autora não tenha produzido, mas talvez o material tenha se perdido ou sido destruído, por apresentar repertório considerado subversivo para a época e perigoso para ser mantido guardado pela família da autora, como demonstra a pesquisa de Janaína Amado.