Dia da Pátria

Alex Polari

Dia da Pátria

 

Hoje é o dia da pátria, nossos mortos

não sabem mas hoje é dia da pátria

é hora de tocar os sinos, limpar as forças

com Pinho-Sol, guardar os cadáveres cuidadosamente

com naftalina, lavar os trapos encardidos da bandeira,

encerar o cânhamo.

(Assim agem os assassinos que têm um cargo oficial,

enquanto todos dormem).

 

Hoje é o dia da pátria, dia de enfeitar

a fachada dos edifícios com as melhores estatísticas

fazer soar os melhores discursos

ejacular civicamente em cima das digníssimas esposas.

 

Tudo é permitido, porque hoje é o dia da pátria.

Todas as mentiras podem ser ditas em nome do povo

Não haverá torturas hoje, porque é o dia da pátria

cada gota de suor, cada gosto de sangue

cada ato de torpeza ou grito arrancado na porrada

deverá ser esquecido ou registrado em ata

porque hoje é um dia de festa

e todo proleta que tiver um fraque

poderá ir ao grande baile da Ópera.

 

Haverá uma parada de aleijados

um DOI/CODI de azulejos em cada esquina

a inauguração de um canil para dissidentes

um concurso público para a nomeação de novos caguetes

o cacete não será baixado até meia-noite

porque hoje é um dia de graça

haverá um Te-Deum solene na catedral

e no ginásio militar

será eleita a Miss dos descontentes.

 

Um corvo sinistro de nacionalidade britânica

cagará na cabeça do sentinela

porque hoje é dia da pátria

um general reformado enfiará a espada na bunda

cometendo um harakiri marcial

porque hoje é o dia da pátria

um tecnocrata cretino terá cólica e remorsos

porque hoje é dia da pátria

O ideólogo oficial ladrará na conferência

porque hoje é o dia da pátria

o empresário dará uma esmola e construirá uma escola

porque hoje é o dia da pátria

um filantropo cristão comerá a filha do ditador

porque hoje é o dia do jubileu de prata

os funcionários anistiados no tribunal

mesmo amargurados, inaugurarão um busto memorável

porque hoje é o dia da placa.

 

Um acadêmico de direita irá pela primeira vez

direto ao assunto, para o susto dos presentes

o orador fará um discurso no púlpito do palácio

o escultor sem cultura o esculpirá

- palavra por palavra -

em puro mármore de Carrara

e a melhor hipérbole

será bolinada impunemente

por poetas incapazes

de fazer as pazes com a última flor do Láscio.

 

À noite,

depois dos fogos de artifício

restarão sobre a relva

os esqueletos dos piqueniques.

Do alto dos prédios embandeirados

os sobreviventes verão as fogueiras crepitando

em todas as avenidas desertas

fervorosos debates

e remadores musculosos de sunga e capacete nazista

singrando em seus botes

os lagos coagulados.

Policiais amadores farão sua ronda na superfície

enquanto torturadores de alta patente

tentarão patrulhar o fundo denso de cada coisa desapercebida(2)

vestindo seus escafandros e levando na coleira

barracudas vorazes amestradas.

Cumprirão sua tarefa de torturar os moribundos

se certificarão que os mortos

ficarão mortos para sempre,

as viúvas sem o calor de seus corpos desaparecidos

e a certidão de seus óbitos indesejados.

 

Assim, nessa data magna,

a pátria fez por merecer seus filhos

e o Dia do Juízo não foi suficiente

para julgar todos os culpados.

 

 

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— Colofão

Coordenação

Marcelo Ferraz (UFG/CNPq)

Nelson Martinelli Filho (IFES/UFES/CNPq)

Wilberth Salgueiro (UFES/CNPq)

Bolsistas de apoio técnico (FAPES)

Juliana Celestino

Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

Abílio Pacheco de Souza (UNIFESSPA)

Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

Patrícia Marcondes de Barros (UEL)

Susana Souto Silva (UFAL)

Weverson Dadalto (IFES)

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