Depois

Maciel de Aguiar

             DEPOIS

 


Depois do primeiro sonho, 

vem o primeiro abismo 

abrindo-se em sua frente, 

convidando-o às trevas. 

Depois da primeira desventura, 

vem a primeira aflição 

que lhe pega pelas mãos 

e mostra o outro lado. 

Depois do primeiro afago, 

vem o primeiro escárnio 

sobre a face desprevenida 

aviltando-lhe a dignidade. 

Depois da primeira dor, 

vem o primeiro grito 

navegando-lhe as entranhas 

e enchendo os ares de pavor. 

Depois do primeiro tiro, 

vem o primeiro sangue 

vermelho-rubro-incandescente 

que se transforma num rio. 

Depois da primeira desobediência, 

vem a primeira repressão
que impõe uma eternidade
sobre todos os que se rebelam. 

Depois do primeiro temor, 

vem o primeiro pranto 

que lhe esconde pelos sótãos 

como quem foge da claridade. 

Depois do primeiro suplício, 

vem a primeira aflição 

que lhe acorda aos gritos
pelas noites frente os demônios. 

Depois do primeiro morto, 

vem o primeiro óbito
como quem procura um rumo 

diante da Ordem do Dia.
Depois da primeira passeata, 

vem o primeiro exército 

com soldados de chumbo 

e generais fantasiados 

de medalhas e honrarias. 

Depois da primeira lágrima, 

vem a primeira desonra 

que o faz juntar-se nas trevas 

a uma legião de vencidos. 

Depois da primeira porrada, 

vem a primeira cicatriz
que vai lhe acompanhar pela vida 

como a própria pele.
Depois do primeiro pavor, 

vem a primeira coragem
que lhe coloca frente ao opróbrio 

da provação extrema.
Depois do primeiro naufrágio, 

vem a primeira tormenta 

do mar revolto indomável 

que afoga os que se rebelam. 

Depois da primeira fuga, 

vem a primeira clandestinidade 

apoderando-se das pernas, 

fazendo-lhe andar para trás. 

Depois do primeiro agouro, 

vem a primeira sevícia 

arrastando as ossadas
brancas como a alvura do leite. 

Depois da primeira derrota, 

vem o primeiro desejo
de gritar com todas as forças 

que renascerá das cinzas. 

Depois dos primeiros vinte anos, 

vem o primeiro medo
imposto pelos tiranos
contra o desejo de Liberdade.

 


                       Rio de Janeiro, 21.2.72

Você também pode se interessar por

— Colofão

Coordenação

Marcelo Ferraz (UFG/CNPq)

Nelson Martinelli Filho (IFES/UFES/CNPq)

Wilberth Salgueiro (UFES/CNPq)

Bolsistas de apoio técnico (FAPES)

Juliana Celestino

Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

Abílio Pacheco de Souza (UNIFESSPA)

Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

Patrícia Marcondes de Barros (UEL)

Susana Souto Silva (UFAL)

Weverson Dadalto (IFES)

Além dos nomes acima muitas outras pessoas colaboraram com o projeto. Para uma lista mais completa de agradecimentos, confira a página Sobre o projeto.

O MPAC é um projeto de caráter científico, educativo e cultural, sem fins lucrativos. É vedada a reprodução parcial ou integral dos conteúdos da página para objetivos comerciais. Caso algum titular ou representante legal dos direitos autorais de obras aqui reproduzidas desejem, por qualquer razão e em qualquer momento, excluir algum poema da página, pedimos que entrem em contato com a nossa equipe. A demanda será solucionada o mais rapidamente possível.

— Financiamento e realização

© 2025 Todos os direitos reservados