DEPOIS
Depois do primeiro sonho,
vem o primeiro abismo
abrindo-se em sua frente,
convidando-o às trevas.
Depois da primeira desventura,
vem a primeira aflição
que lhe pega pelas mãos
e mostra o outro lado.
Depois do primeiro afago,
vem o primeiro escárnio
sobre a face desprevenida
aviltando-lhe a dignidade.
Depois da primeira dor,
vem o primeiro grito
navegando-lhe as entranhas
e enchendo os ares de pavor.
Depois do primeiro tiro,
vem o primeiro sangue
vermelho-rubro-incandescente
que se transforma num rio.
Depois da primeira desobediência,
vem a primeira repressão
que impõe uma eternidade
sobre todos os que se rebelam.
Depois do primeiro temor,
vem o primeiro pranto
que lhe esconde pelos sótãos
como quem foge da claridade.
Depois do primeiro suplício,
vem a primeira aflição
que lhe acorda aos gritos
pelas noites frente os demônios.
Depois do primeiro morto,
vem o primeiro óbito
como quem procura um rumo
diante da Ordem do Dia.
Depois da primeira passeata,
vem o primeiro exército
com soldados de chumbo
e generais fantasiados
de medalhas e honrarias.
Depois da primeira lágrima,
vem a primeira desonra
que o faz juntar-se nas trevas
a uma legião de vencidos.
Depois da primeira porrada,
vem a primeira cicatriz
que vai lhe acompanhar pela vida
como a própria pele.
Depois do primeiro pavor,
vem a primeira coragem
que lhe coloca frente ao opróbrio
da provação extrema.
Depois do primeiro naufrágio,
vem a primeira tormenta
do mar revolto indomável
que afoga os que se rebelam.
Depois da primeira fuga,
vem a primeira clandestinidade
apoderando-se das pernas,
fazendo-lhe andar para trás.
Depois do primeiro agouro,
vem a primeira sevícia
arrastando as ossadas
brancas como a alvura do leite.
Depois da primeira derrota,
vem o primeiro desejo
de gritar com todas as forças
que renascerá das cinzas.
Depois dos primeiros vinte anos,
vem o primeiro medo
imposto pelos tiranos
contra o desejo de Liberdade.
Rio de Janeiro, 21.2.72