DEPOIS DO TELEJORNAL
Pela terceira vez explico a manobra legal usada contra os
pretos ativistas à velha tia surda que visito em Nova York.
Seus olhos cansados postos em mim, também as mãos, são
da irmã que envelhece noutro continente. Está aqui desde 42.
Fugiu aos nazistas em 39, foi internada em 40 num campo
francês, em 41 passou para um quartel em Casablanca perdeu
a mãe em Buchenwald e costurou seis dias por semana, 25
anos, numa fábrica de roupas no Bronx. Sem entender acena
ao sobrinho do Brasil —— onde as coisas vão mal —— a cabeça
que não pacienta mais com as lutas infindáveis do planeta.
—— Sei que você vai dizer que explico fatos sociais como se
fossem naturais, e vai pensar que sou uma velha. Mas às
vezes acredito nalgum defeito genético do homem. Senão por
que esse gosto de brigar? É tudo muito, muito triste, e eles
enquanto isso, os donos da vida como dizem os outros, os
donos dos meios de produção —— a lepra do mundo, me en-
tenda bem! a lepra do mundo —— nos acabam de trabalho, de-
semprego, guerra ou loucura.