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DE PAI PARA FILHO
(A Camilo)
Teu avô era meu pai.
Pálido, claro e branco,
no caixão do necrotério
meu último beijo tocou-lhe
a testa fria sem eco nem dor
só o espanto da morte.
Sorte sem norte,
absorto o morto,
hirsuto o furto
que lhe fizera a vida,
outro em mim nascia.
Vinte e um anos depois, o fruto bruto:
tu foste a vida nova
a continuar aquela
que está na cova
e já não é nada nem é bela
nem lágrima nem água
nem terra.
Só mágoa
de que eu não seja avô de nada,
nem claro nem branco,
só pálido, longe e frio
como meu pai que me amou e sorriu.
(Cárcel Montevideo, 27-XI-1977)
Comentário do pesquisador
Nota do autor: "Numa tarde (em uma só) no Cárcere Central de Montevidéu, num papel de pão escrevi três poemas, um em seguida ao outro. Era o dia 27 de novembro de 1977. Aí vão:".