DAS MÃOS ESTENDIDAS
Estendo as mãos de aprendiz
para os que tateiam seu rumo,
os que constroem o destino,
os que cultivam a esperança,
os que alimentam as convicções,
os que choram os mortos,
os que acreditam em suas causas.
Estendo as mãos infantes
aos que se agarram à aventura,
os que tentam saltar os obstáculos,
os que encontram a desgraça,
os que imploram diante dos algozes,
os que afagam as cicatrizes,
os que acalentam a tragédia.
Estendo as mãos trêmulas
aos que pegam nas armas,
os que abrem o peito,
os que não se intimidam,
os que conversam com o próprio cadáver,
os que sabem de sua sentença,
os que convivem com os demônios.
Estendo as mãos aflitas
para os que são banidos,
os que levam para o exílio
um arco e uma flecha,
os que não mais semeiam sonhos,
os que carregam uma cruz,
os que choram as saudades,
os que perderam o caminho de volta.
Estendo as mãos de afago
aos que desfraldam bandeiras,
os que se agarram aos segredos,
os que defendem princípios,
os que cravam as unhas
na possibilidade da vitória,
os que reconstroem do nada
a história de lutas,
os que acreditam num tempo
novo que há de vir.
Estendo as mãos notívagas
do ofício da poesia
impressa no mimeógrafo
aos que sepultam os mortos
encontrados na calçada,
os que enfrentam os assassinos
com bolinhas de gude,
os que vomitam as entranhas
sob porrada nos testículos,
os que procuram os filhos
desaparecidos nas trevas,
os que deixam marcas
tatuadas nos cárceres,
os que resistem ao destino
na Pátria sem fugir,
arriscando a todo instante
a vida de suplício.
Estendo as mãos de poeta,
que escreve pelo breu
esta canção panfletária,
aos que buscam a Liberdade.
Estendo a consciência do tempo
em que vivemos clandestinos
como um afago à dor
para todos os condenados.
Estendo as mãos do hoje
aos mortos do amanhã…
Rio de Janeiro, 19.2.72