CRÔNICA POLICIAL
1
§. Ontem três homens duros e armados
entraram na casa de um casal amigo
comeram, beberam, violentaram uma visita,
levaram dinheiro, objetos e saíram em zombaria
– num carro que largaram no subúrbio da Central.
§. Ontem a filha de um amigo esperava o ônibus,
chegou-lhe um mulato forte, que lhe deu um bote,
levou-lhe a bolsa e o corpo para o matagal
surrando-a com pedra e pau. E ela morria,
não conseguisse correr e se lançar na frente de um carro
que obrigado a parar levou-a ao hospital.
2
O casal da primeira estrofe e estupro
não foi ao jornal, mas hoje recebeu
outro casal
seviciado pelo mesmo grupo
que possuiu a mulher grávida
e seqüestrou a empregada como trunfo.
O pai da filha com o rosto destruído
ocultou a notícia com medo
da chantagem e da polícia.
3
Da minha varanda outrora eu via o mar e a ilha
antes de erguerem armadilhas e arranha-céus
em nossos bolsos e vistas. Crimes, antigamente,
não eram organizada guerrilha. Eram desastres aéreos
que não ocorriam com a gente.
Hoje sucedem-me na sala
– entre um programa e outro,
no quarteirão
– entre um legume e outro.
Estou no Líbano, na Irlanda, Vietnã, Chicago e Stalingrado.
Há uma batalha em plena rua e o governo não sabe.
Inaugura estradas, deita fala, sem ver que as rodovias
estão cheias de eleitores mortos
– e seu discurso, crivado de balas.
4
Há dias,
minha filha vindo do colégio
deu o relógio
a um garoto uniformizado,
mas armado de pau e prego,
como a prima, que entregou o colar na esquina.
A filha menor ainda não assaltaram. Assaltaram-lhe
a primeira babá na praça. Assaltaram-lhe
a segunda babá na praia
entre ameaças
ao prevenir à turista
para manter sua bolsa à vista.
E da janela onde outrora eu via o mar e a ilha,
mal vejo o meu futuro e os banhistas. Vejo dois homens
correndo escuros da praça para boca da favela,
jogando para o ar uma bolsa amarela.
– É o quinto assalto hoje nessa esquina,
dizem no bar, enquanto entre o capacete e o cassetete
passam tranqüilos
os dois policiais peripatéticos do dia.
5
Minha porta já tem 100 trincos.
Depois de 6 revólveres, comprarei 5 bazucas,
8 granadas,
12 miras telescópicas,
embora nada me garanta que não me ponham a porta abaixo
com seus tanques.
Fora isto, não sei ainda o que fazer.
Mas não vou ficar aqui como um personagem de Hemingway,
que cansado de fugir
se deita velho como um cão
aguardando que me trucidem
a mim, minha família,
e mandem a foto autografada ao Presidente
como sinal da mais alta estima e elevada consideração.