CIDADES DO INTERIOR
(Recife, 25/2/1979)
Otosi, que dormia em Cróton
e vivia em Sibar
(era cidadão de Cróton
e morava em Sibar),
quando tarde da noite
saltava bêbado do seu táxi
numa austera rua de Cróton,
pressentia por trás das vidraças
o faiscar rancoroso
dos olhos enfermos
pela radiação das tevês,
e as marcas das moças
na pele de Otosi
eram analisadas de longe
por teleobjetivas compradas
com o dinheiro do rum
que seus habitantes não bebiam,
porque a cidade de Cróton
castigava os homens e as árvores
para conseguir o além,
o futuro, ou algo bem diverso
das tatuadas coxas
de uma habitante de Sibar,
e mandava linchar os loucos
que sorriam na praça
nos dias santificados,
quando maridos, esposas,
delegados e padres
reuniam-se suados
para louvar as excelências
da salva e certa
cidade de Cróton,
onde o trabalho era a penitência,
o purgatório
dos homens de bem,
e só os peitos das criadas
e a chegada noturna
do bêbado Otosi
conseguiam lembrar
a diabólica vizinhança
da cidade de Sibar,
lá onde, segundo os crotoenses,
o demônio homiziou-se
após quebrar na cabeça
de um boina-verde americano
as tábuas da lei,
onde as moças se coçam
à vontade no meio de jovens
que não matam por amor,
que amam precisamente
para não matar
mesmo um habitante de Cróton,
desses que erguem seus bebês
acima dos ombros
no desfile dos blindados,
desses que preservam
seu "Coração de Púrpura"
no estojo de prata,
bem longe das fraquezas do corpo,
desses que saem de West Point
com seus Colts cromados
para impedir que a liberdade,
com seu bloco de sujos,
entre na cidade de Cróton.