CERCAS
Deus criô a terra pra todos. Eles viero e
cercaro tudo.
[Do depoimento de Lua Branca, cangaceiro de
Lampião]
I
Cercaram tudo. Só a gente
nem sabe mais onde mora,
não tem para onde ir embora.
Cercado, o mundo é o mundo
sem lado de fora,
sem brecha nem beira,
mundo dentro da gaiola.
A cerca da Mata mata,
seca a cerca do Sertão,
só fica preso o vivente
quando expulso da prisão.
Prisão de plantas e bichos,
de casa, roupa e meizinha,
prisioneiro até o chão.
Só tem almoço e ceia
quem come a própria fome
ou quem está na cadeia
de muitas grades,
que impede,
em vez de saída, a entrada.
II
O mundo de muitas cercas
feitas pelos coronéis,
cercas nos canaviais,
nas frutas de vez nos pés,
cercas no milho e no arroz,
no feijão e nos currais
nos bois capados na engorda,
desgraçadamente bois.
Na ponta da corda, o laço
laça a vaca e o leite,
o queijo, o vaqueiro,
a melancia, o umbuzeiro,
o ingá, o bode, o terreiro,
tudo cai no laço.
III
De arame ou cipó
vamos desatar o nó.
IV
Os cachos de buganvílias
rebentam nos paus-a-pique,
o toque dos chocalhos
diz o boi para onde foi.
De primeiro, era a arapuca
de pegar as rabaçãs,
O canto delas anuncia
que ninguém cerca a manhã.