Cartão-postal
A frase medida
da fome, a fala
afiada que frisa
a ferida faminta.
No fofo, na faina
do corpo, no fundo
furado, no estofo
do estômago, come
e esfarinha a força
franzina — ferrão
de dor — os dentes
da doença mordem
as grades do corpo.
A mão da miséria
moléstia, mendigos
de trapo tropeçam.
Farrapos nas ruas
rotas, a pobreza
uma esponja de pó
apaga o alfabeto:
sílabas, palavras
sinais, sentenças
sobram nos muros
as letras das lutas
que o povo soletra
nas páginas-paredes
da cartilha de cal.
Comentário do pesquisador
O cartão-postal, normalmente, é um objeto que visa guardar memórias afetivas, boas lembranças de lugares bonitos. No entanto, ironicamente, o cartão-postal de Armando Freitas Filho revela uma época marcada por fome (“a ferida faminta”), miséria (“A mão da miséria”), baixa escolaridade sendo programada (“apaga o alfabeto”) e luta contra os absurdos cometidos durante os Anos de Chumbo (“as letras das lutas”).