Cardume de Mortos

Alex Polari

Cardume de Mortos

 

Lá dentro do mar existe um céu

onde envoltos em sargaços

eles repousam

parecendo-se às carcaças

de velhos galões afundados.

 

 

É escuro, é triste, é frio

esse firmamento às avessas

onde eles depois de presos

morreram dispersos

jogados de noite por algum helicóptero.

 

 

Faz silêncio nesse cemitério marítimo

onde o ritmo das ondas

não ocasiona nenhuma paisagem

apenas afaga vagamente

uma planície de fantasmas submersos

que mal se localiza ou advinha.

 

 

O vento mudo e poderoso

não embala o vôo das gaivotas

mas abala por meio de estranhos presságios

o navegante que por ali se aventura.

 

São nossos mortos

decerto com os rostos ainda crispados

de tortura

em cujo leito de sargaços e anêmolas

as algas já não rimam

com seus próprios algarismos

nada corresponde mais a nada

tamanha a desproporção do que foi sentido

do instante de despencar do céu

até o momento do impacto.

 

Quantos ficaram semanas escondidos

quantos foram semeados no mar já mortos

para colher o quê?

Quantos foram atirados vivos?

Que medo teriam sentido,

de que pavor ou serenidade seriam tomados?

Que teriam dito, pensado,

que angústia teriam legado

pela lembrança de alguém muito querido?

Quanto cada sentimento desse duraria

até afundar, sempre afundar,

afundar tão fundo e tanto

que a impressão que se tem é que continuam afundando

apenas para manter nossa ilusão

de retê-los ainda em vida?

 

 

 

Nossos mortos não pedem vingança

só justiça

de algum jeito eles sempre retornam.

Vocês que perambulam pelos mares e pelo oceano

prestem atenção a tudo que de sua entranha aflore:

algum sinal, víscera, qualquer indício estranho

talvez uma mão crispada, roxa

segurando um bouquet de flores encharcadas

 

 

 

Vocês que passeiam por praias desertas

por favor, ouçam com atenção qualquer ruído,

o barulho de um corpo no mar

é assim como o estalar da asa de uma mariposa muito frágil.

 

 

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