Capital federal
A planta no plano
avança na ampla
pauta do espaço:
apalpa, planalto.
Brotam do barro
bruto da brenha
casas e queixas
no caos de breu.
As pedras se apuram
em prédios: maquette
imaculada maquillage
de cal e de mármore.
No lixo e na lama
o novelo da vida:
as linhas do luto
os lanhos da luta.
Trevos de asfalto
e fôlego, trançados
trajetos traçados
sem trégua, à régua.
Tendas de toldos
rotos, as ruas
se rasgam tortas
na terra puída.
Palácios de papel
almaço:
lua de cartolina
lago de celofane.
O povo se empilha
em casas capengas
em choças de palha
esgarçada, palhoças.
Monumento, movimento
de sol de pedra de
vento, se estampa
na página do espaço.
Borrão de barro
no branco, mancha
marcha multidão
crescendo do chão.
Comentário do pesquisador
O poema se vale de importante disposição visual (bem como seu intrincado tratamento sonoro), oscilando a localização da estrofe na página e o uso de negrito (sendo o negrito, talvez, espécie de grito, contracanto): sem o negrito, o Plano Piloto; com o negrito, os problemas que estão ao lado do traço oficial do texto e da capital. Brasília, enquanto capital federal, estava no seu início nos anos 1970: "A planta no plano / avança", como diz o poeta. Vale lembrar que o desenho urbanístico de Brasília, especialmente da sua área central, conhecida como Plano Piloto, imita o traçado de um avião. Assim, na disposição oficial do poema, "As pedras se apuram"; ao passo que em paralelo, "No lixo e na lama / o novelo da vida" simples sendo tecido entre luto e luta. A Brasília planejada, espécie de materialização poético-urbanística do discurso oficial, é contraposta aos problemas reais do país, às misérias da população que se via à margem durante os Anos de Chumbo.