CANTO IV
Dói a dor como antes
E assim o fatal e atroz
Destino de todos os passantes
Que se amarram em seus próprios nós
E agora eu pergunto:
Cantar adianta?
E o vivo-defunto
Não me espanta nem se espanta
Dor do meu fracasso
Parou na garganta
Já sou mais do que palhaço
E certo de chegar perto de ser planta
Pelo menos estas pétalas
São suaves e dão carinho
São como tuas carícias completas
Flores, são amores, nunca me deixam sozinho
O que tenho que não tens?
Menos que o menos dos venenos
Sou como os velhos trens
Ou então como os venenos mais pequenos
Cheguei até a rir
Da dor que me estraçalha
E se eu cair e em sangue me esvair
Saiba que foi a navalha
Que o malandro herói
Usou para perfurar e enganar
Este peito que me dói e me remói
Se corrói mas não para de sangrar
Eu queria navegar num navio
Talvez barco ou caravela
E mesmo no Polo Norte não ter frio
Por estar preso ao teu calor como a uma vela
Por puro ódio de novo
Me procuras e me torturas
Como se eu fosse um ovo ou o povo
Que já está cansado de futuras loucuras de ditaduras e linhas duras, ó que agruras!
Comentário do pesquisador
O poema conta na obra reunida "Mitologia do Kaos" e foi originalmente publicado no livro "Poesias de amor e de morte" (1981). No último verso do "Canto IV", o eu mautneriano menciona ditaduras e linhas duras, além de, na mesma estrofe, fazer menção à tortura, ainda que trazida para um campo um tanto lírico-amoroso.