Canção aos vencidos

Maciel de Aguiar

   CANÇÃO AOS VENCIDOS

 

 

 

Cantar a Liberdade,
com a voz entrecortada
sem os grilhões na garganta, 

sem os acordes em dor maior 

que lhe vazam o peito,
é cantar a vida
que nos permite a aventura… 

Cantar a Liberdade
diante do carrasco,
que lhe cospe nos olhos
e lhe faz lamber os excrementos 

pelos cantos das salas,
é cantar a juventude
que carregamos nos ombros. 

Cantar a Liberdade
frente o regime tirano,
que lhe faz rastejar pelos becos 

impondo o viver genuflexo
aos corpos infantes-febris, 

que nem ao menos viveram 

os primeiros anos,
é cantar a glória
dos guerreiros mortos 

abraçados à sua causa. 

Cantar a Liberdade
como um pássaro que voa 

pelos céus em tempestade 

sem medo do trovão,
sem temer os raios,
sem se assustar com a fúria
dos senhores do mundo, 

é cantar a paixão
dos exilados que se foram 

ao encontro com a dor 

em suas entranhas. 

Cantar a Liberdade 

no último instante, 

frente o pelotão de fuzilamento 

que aponta as armas
assassinas dos soldados 

para o coração indefeso,
é cantar com a voz 

entrecortada de soluço
a provação dos desgraçados. 

Cantar a Liberdade
nas passeatas pelas ruas 

levando nos braços 

os filhos ensangüentados, 

que sonhavam com uma vida 

de justiça para todos 

e felicidade para muitos, 

é cantar a esperança 

derradeira que germina 

sob o chão úmido da pátria 

pisoteada pelos coturnos. 

Cantar a Liberdade,
quando os homens famintos 

retiram das latas de lixo
o alimento dos filhos,
para saciar a fome 

que corrói as entranhas 

de uma nação possuída 

pela miséria absoluta, 

é cantar a resistência 

dos milhares que resistem 

sem direito à cidadania. 

Cantar a Liberdade 

na porta das fábricas, 

que engolem os mutilados,
devorando-lhes os anos, 

aviltando-lhes a dignidade, 

amputando-lhes a alma 

como desprezíveis criaturas, 

é cantar a aflição
dos degolados que atentam 

contra a própria vida. 

Cantar a Liberdade 

frente o mar revolto
que lhes afoga os sonhos, 

levando-os para as profundezas
da legião de desaparecidos
sem cruz,
sem nome,
sem notícia,
sem direito à sepultura,
é cantar a solidão
dos proscritos que apodrecem 

no fundo fétido dos cárceres 

implorando por um tiro
para atenuar os anos. 

Cantar a Liberdade,
quando centenas de mortos 

são procurados pelos parentes 

frequentadores dos necrotérios, 

que imploram aos legistas 

pelo atestado de óbito
dos corpos que lhes pertencem, 

é cantar aos enlouquecidos 

que gritam frente o espelho… 

Cantar a Liberdade
diante do tempo de hoje
é cantar uma canção 

clandestina entre os lábios
em homenagem aos vencidos.


                   Rio de Janeiro, 13.7.72

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