AVISO
Não há lei nem rei
que me afronte:
meu poema é liberdade,
minha casa, uma ponte.
Não há rei nem lei
que me amedronte:
meu cartório é o vento,
minha escritura é defronte.
Não há lei nem rei
que me afronte:
minha gleba é o homem
e a hora, minha fonte.
Não há rei nem lei
que me amedronte:
trago um mandato do tempo
e a dor no horizonte.
Comentário do pesquisador
Embora o poema "Aviso" não mencione diretamente a ditadura, o conjunto de poemas reunidos em "Fala, favela" apresenta o contexto geral de opressão e de repressão durante o regime militar. A violência exposta no livro, contudo, começa antes do regime militar e continua depois dele. O poema "Aviso" foi selecionado, dentre os demais que compõem o livro, por expressar a relação entre a violência da exclusão e da exploração, por um lado, e o autoritarismo da lei que protege proprietários e opressores, por outro. Além disso, o poema trata a poesia como uma forma de resistência. O livro apresenta a seguinte introdução: "Fala, favela foi adaptado para o palco e encenado pela primeira vez, em Fortaleza, em 06/12/1980, no teatro Paschoal Carlos Magno (Teatro Universitário-UFC), pelo Grupo Independente de Teatro Amador (GRITA), dirigido por José Carlos Matos, com alguns poemas sendo musicados por Calé Alencar. Depois da temporada cearense, apresentou-se em Mossoró-RN e em João Pessoa-PB, no Festival Universitário de Teatro Amador, em julho de 1981. No preparo da presente edição, poucas mudanças foram efetuadas. Embora o poema tenha sido escrito em 1979 e publicado dois anos depois, a problemática social – a dos sem-teto e sem-terra –, que motivou a criação do texto, continua infelizmente atual no Brasil. A então chamada favela José Bastos, de breve registro histórico, hoje tem outros nomes e espalhou-se por quase todas as grandes cidades do país. Os fatos e personagens aqui relatados foram, porém, recriados ou imaginados pelo autor".